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Publicado: Quinta-feira, 4 de abril de 2013

A evolução alimentar - parte 3

 Omnivorismo

Omnivorismo não é comer mantra (ÔM). É comer tudo (omni). A passagem do carnivorismo para o omnivorismo processou-se por observação de muitos clãs, de que os que inseriam vegetais na alimentação tinham mais vitalidade, viviam mais tempo possuíam pelos mais bonitos. Ninguém precisa ser cientista para perceber isso. Basta observar sua descendência.

Passei por uma experiência interessante que me demonstrou como o caipira tem essa percepção. Em 1976 o prefeito da cidade de Santo Antônio do Pinhal, no caminho para Campos do Jordão, doou-nos uma montanha. Ingênuos, aceitamos aquele elefante branco. Na época, não tínhamos verba nem para custear o combustível dos automóveis, quanto mais para construir o acesso e edificar nosso retiro! Acabamos perdendo a montanha. Mas ao chegar lá, cheios de ilusões, fomos conversar com um antigo morador, um senhor bem humilde. Ele teve a gentileza de recomendar que bebêssemos de uma determinada fonte e não de uma outra, pois sua água não era boa. Perguntei-lhe se havia mandado analisar a água. Ele me disse que não precisava. Quando seus filhos bebiam daquela, ficavam doentes.

Da mesma forma, e com aquela agilidade que nos caracteriza, em alguns milênios a maior parte da humanidade percebeu que a carne é um veneno para a nossa espécie e melhorou o sistema alimentar, acrescentando outros alimentos. Passou a comer de tudo.

Se, por um lado, isso constituía um aperfeiçoamento, já que nossos antepassados passavam a ingerir menos carnes, esse sistema ainda não era ideal. A mistura de alimentos produz fermentação, a qual gera odor nauseabundo. Experimente colocar num saco plástico um pouco de tudo o que você ingerir na próxima refeição. Acrescente um cálice de ácido gástrico (se não tiver, esprema um limão). Em seguida, coloque por meia hora num forno a 36 graus centígrados, a temperatura do seu corpo. Depois, abra e cheire.

Isso é o que está acontecendo lá dentro do seu tubo digestivo. Mas, para onde vai esse odor? Pensou que ele se evaporasse por obra e graça do Espírito Santo? Nada disso. Ele sai pelo seu hálito, pelos seus poros, pela sua transpiração, pelas suas axilas. Encare a realidade: você fede! Os animais onívoros cheiram mal. Compare: o cheiro do porco, o do bode. Ah! Esqueci: você também come porco.

Todos os animais se identificam pelo cheiro. Dois animais se encontram e cheiram-se, até para saber se são da mesma espécie. Se forem macho e fêmea conferem os cheiros a fim de ver se a química combina. No entanto, o ser humano não reconhece como da sua espécie o cheiro que exala. Façamos o teste. Animais não tomam banho. Agarremos um sapiens e deixemo-lo sem banho por, digamos, um mês. Depois, ofereçamo-lo para trocar umas carícias com outro, de sexo oposto, da sua espécie. Como será que você reagiria se fosse escolhido para participar dessa experiência, fosse como o sem-banho, fosse como o que depois teria de olfatá-lo?

Isso explica porque o ser humano não apenas toma banho com muita freqüência (em alguns países, todos os dias!) mas também esfrega, todas as vezes, soda cáustica no corpo. Sim, pois esse é um dos componentes dos sabonetes. Não satisfeito com o banho e a esfregadura com bastão de soda cáustica, esse pobre mamífero ainda toma o cuidado de passar sob os braços e nos pés uma substância que tem a função de inibir odores, um tal de desodorante. Mas isso não basta. É preciso mascarar algum cheiro que, apesar de todos esses cuidados, possa aparecer. Então, o desnaturado animal acrescenta no seu corpo perfumes de outras espécies de animais (boi almiscarado, âmbar do cachalote, civete do gato selvagem) ou de árvores (sândalo, cipreste) ou de erva (vetivert) ou de flores (rosa, jasmim, etc.). Qualquer coisa serve, desde que não seja denunciado o cheiro que ninguém identifica como sendo na nossa espécie.

Foi o cheiro do homem branco que salvou os índios da extinção e levou-os a sustentar uma guerra de 500 anos. Pense bem. Como é que silvícolas nus, que não conheciam o aço nem a pólvora, puderam sobreviver e lutar durante séculos com os conquistadores que tinham à sua disposição equipamento militar e a arte da guerra? Vou lhe dizer como foi que os aborígines sobreviveram. Quando você passa uns dias na fazenda ou acampado no meio do mato e, depois, volta para a cidade seu olfato fica bem mais sensível e costuma se incomodar muito com os maus olores. Você é um urbanóide e passou apenas alguns dias no campo ou na serra, mas já ficou mais sensível. Agora, imagine um indígena que nasceu e viveu na floresta toda a sua vida. Ele consegue sentir o cheiro de cada flor, árvore, inseto, animal ou réptil a uma boa distância. Pois bem. Como será cheiravam os conquistadores portugueses e espanhóis dos séculos XVI e XVII, que comiam todas aquelas porcarias, bebiam vinho e suavam feito uns suínos, caminhando durante dias e meses no calor tropical, na floresta úmida, sob aquelas roupas, armaduras e botas de bandeirante? Uma curiosidade: quando iam defecar no mato, dispunham de papel higiênico? Acrescente-se que não se usava tomar banho. Era pecado. Acredite se quiser, até o século XX, aqui mesmo no Novo Mundo, em escolas religiosas as alunas internas eram obrigadas a tomar banho de camisola, para atenuar a iniqüidade.

Concluindo esta longa exposição: quando o colonizador ainda estava a quilômetros de distância os índios, com seu olfato hiper-sensível, percebiam sua aproximação.

O ameríndio sentia um cheirinho putribundo no ar e perguntava para o outro:

- Curumim, foi você?

E o curumim respondia:

- Mim, não.

Então, era homem branco que estava a algumas léguas, vindo na direção do vento.

Mandavam as mulheres fugir com as crianças e armavam ciladas, muito bem escondidos numa floresta que conheciam como a palma de suas mãos. Era guerra de guerrilha. Emboscavam e fugiam. Foi assim que, graças ao fedor do homem branco, os selvagens salvaram-se e conseguiram sustentar uma guerra de cinco séculos, usando arco e flecha contra aço e pólvora. Pode-se dizer que venceram, pois sobreviveram.

Conclusão: o omnivorismo não é ideal.

DeRose

(continua na próxima publicação...)

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