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Publicado: Quinta-feira, 7 de março de 2013

A evolução alimentar

 De como éramos frugivoristas e de como deixamos de sê-lo

Fator número um

No início da nossa evolução em direção ao que viria a se denominar homo sapiens, nós éramos vegetarianos. Vivíamos nas árvores e alimentávamo-nos de frutas e folhas, como ainda o fazem atualmente muitos dos nossos parentes primatas. Para comer, não precisávamos trabalhar. Aliás, morávamos dentro de uma salada! Além disso, a vida era só comer, brincar, transar, dormir, acordar, estender o braço e alcançar a refeição. Noutras palavras, estávamos no paraíso.

Na verdade, a Bíblia refere-se de forma inequívoca a esse Éden (Gênesis, versículos 16 e 17). Fôramos postos num jardim pleno de árvores frutíferas e podíamos comer de todas elas, menos de uma, a da Noção do Bem e do Mal. Comendo desta, ficaríamos impedidos de comer os frutos da Árvore da Vida.

Fator número dois

Tudo ia muito bem até que um belo dia fomos expulsos do paraíso por um incidente climático no qual as árvores escassearam-se. Assim, tivemos que descer para o chão. Acontece que nós éramos animais arborícolas e não terrícolas. No chão, nossas pernas não serviam para grande coisa. De fato, até hoje, milhões de anos depois, continuamos incompetentes quanto ao caminhar sobre o solo. Levamos mais de doze meses para aprender a andar, quando qualquer herbívoro irracional nasce, põe-se de pé e corre com apenas algumas horas de nascido. Duas décadas depois, continuamos tropeçando e caindo por tudo e por nada. Temos músculos enormes nas pernas e coxas, que nos ocupam uma considerável quantidade de sangue e energia, mas qualquer animalzinho dez vezes menor corre mais do que nós.

Perdendo nosso habitat nas árvores e sem ter capacidade para correr no solo, ficamos à mercê dos predadores. Passamos a refugiar-nos nas cavernas. Imagine o trauma dessa espécie que estava acostumada a uma vida lúdica e sem preocupações, saltando e brincando por entre os ramos verdejantes, o céu azul e os raios do sol, ser obrigada, quase que repentinamente, a viver no escuro e com medo dos predadores. Não foi à toa que o ser humano associou essas duas coisas e, para ele, a escuridão passou a ser sinônimo de medo.

Não havendo mais tantos vegetais sobre a Terra, nossos ancestrais foram compelidos a mudar sua dieta. Passaram a comer o que houvesse. Tornaram-se coletores, catando uma castanha aqui, uma raiz ali e uma lesma acolá. Com fome, come-se qualquer coisa. O desespero da fome e de faltar alimento para a prole arraigou-se no nosso psiquismo de forma tão atroz que desenvolveu uma síndrome que carregamos até hoje e à qual denomino "síndrome do supermercado". Ela nos impele a ir coletando nas prateleiras mesmo aquilo de que não necessitamos, a fim de levar para nossa toca, afinal, "pode vir a ser necessário".

Fator número três

Se nossas pernas são incompetentes, em compensação nossas mãos são únicas. Desenvolvemos a habilidade de segurar, pois, ao nascer, o filhote precisava contar com o instinto de se agarrar nos ramos da árvore e nos pelos da mãe, caso contrário despencaria lá de cima. Até hoje nossos recém-nascidos conservam esse reflexo, pegando fortemente os dedos dos pais ou uma vareta que lhe seja posta nas mãos. Podemos mesmo levantar o bebê pela vareta, pois ele não a soltará e não cairá.

Na verdade, nós não evoluímos como espécie graças ao desenvolvimento do cérebro e sim graças à oposição do polegar. Este permitiu que agarrássemos os objetos por puro instinto. Com isso, mais tarde iríamos tornar-nos homo instrumentalis, pouco diferentes dos símios que também usam instrumentos. A partir de então, teria ocorrido uma demanda neurológica que exigiu do cérebro o seu aprimoramento. Mas, antes disso...

Juntando os três fatores

Juntando os três fatores acima, o que nós temos é o seguinte panorama: um pithecus faminto, acocorado; um galho seco caído no chão ao seu lado; e um almoço passando correndo. Quantas vezes essa cena deve ter-se repetido ao longo de, digamos, cem mil anos? Numa dessas incontáveis vezes, por mero instinto de agarrar, o pithecus segurou o galho seco e usou-o como instrumento. Descobriu, surpreso, que aquilo ampliara sua força, multiplicara sua velocidade e alcançara mais longe, aonde os braços não chegavam. Pronto. O almoço estava espatifado e tinha-se inaugurado uma nova era: a do carnivorismo.

DeRose

(continua na próxima publicação...)

 

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