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Publicado: Domingo, 25 de março de 2018

A Espécie Executada

A Espécie Executada

 

 

O universo de psicopatias compartilhadas...

 

Quais são nossas lutas? Por que levantamos toda manhã? O que nos motiva a brilhar junto do Sol todos os errantes dias? Quais são nossos medos?

 

Com as recentes, não tão recentes na verdade, ondas de violência pairando na atmosfera ácida de um país, mundo, repleto de incongruências sociais, como iremos nos posicionar? Qual a ideia do desenvolvimento de uma estrutura coletivista que não se mantém coletivamente? Um agrupamento de pessoas que não se tolera?

 

Qual é a lógica de ser uma espécie social, que se ergueu enquanto civilização apoiada na ideia do coletivo, mas que não consegue criar uma dinâmica de convivência que açambarque todos os seus integrantes num ciclo digno de vida? E por digno se entende uma vida social com as mesmas possibilidades de acesso a tudo aquilo que coletivamente for interpretado como bom e psiquicamente saudável.

 

Todo processo identitário, toda rede de reconhecimentos e compensações, que fundamentam as bases emocionais da espécie, todo conjunto de valores compartilhados, toda a sobrevivência garantida por milhares de anos com a força da quantidade somada num único objetivo: ser um sucesso evolutivo. E para que? Para chegarmos num estágio no qual enxergamos nosso semelhante como um inimigo severamente temido.

 

Usamos, descartamos e substituímos como se fosse algo sem valor? Estamos falando de pessoas, com sentimentos e valores, com histórias e vivências, com vidas ainda a serem deleitadas. Não se trata de um jogo de vídeo game, que no final zera o score e tudo recomeça. Quando magoamos pessoas, quando usamos pessoas e quando tocamos em seus universos de valores, se não tivermos sensibilidade e solidariedade, podemos causar um estrago com proporções sistêmicas. Podemos levar um ser humano à morte e, consequentemente, ao fim de tudo, de todos os sonhos, de todos os sorrisos e de toda vontade de viver e perseguir.

 

Isso é tão grave quanto o big bang, pois ao destruirmos as relações ou a capacidade de sermos empáticos ao semelhante, destruímos a espécie em pequenas doses, o que leva a uma total aniquilação dos sentidos da existência. Morre o humano e com ele vai embora também o sentido da vida. Nenhuma outra espécie até hoje foi capaz de construir sentidos tão transcendentais e afetivos como os seres humanos. Deixamos marcas profundas nos encontros da vida e com isso determinamos todo o processo evolutivo da espécie.

 

A crescente extinção do compartilhamento afetivo, da necessidade sociocultural da presença do outro para nos validar e reconhecer nossa existência, irá destruir toda e qualquer possibilidade de projeto social humano de futuro.

 

Não sobrevivemos sozinhos, toda a sanidade da espécie está apoiada na rede de trocas afetivas e de sentidos construídas no coletivo. Quando perdemos nossa capacidade de entender e aceitar a ideia do semelhante como um suporte existencial vital, a autodestruição é o fim inevitável.

 

Execuções, barbáries, explorações diversas, corrupção, briga pelo poder, maldades projetadas, escravidão disfarçada, são tempos de uma guerra civil não declarada. A população humana do mundo está se extinguindo.

 

Ao invés de fazermos amor, optamos por nos colocar numa condição na qual homens e mulheres estão se matando diariamente e sem o mínimo pudor. Se não é uma morte física, carnal, é uma morte simbólica de aniquilações repetidas e constantes, uma tortura emocional aterrorizante.

 

O caráter reprodutivo e esplendoroso da espécie está sendo colocado em questionamento, simples e unicamente porque agora as mulheres precisam projetar seus abusos e falta de reconhecimento numa insana busca de se masculinizar e transformar tudo numa fachada de testosterona vazia de identificações.

 

Gerar algo dentro de si. Compartilhar o sumo vital de suas existências e transbordar em novas vidas. Isso deveria ser maravilhoso e não tratado como algo a ser pensado, questionado e duvidado. Essa disputa atroz está nos posicionando numa escala evolutiva de autodestruidores psicopáticos. Destruímos pelo simples prazer de assistir o outro semelhante em profunda agonia. Algozes vorazes por sangue derramado à custa da extinção de uma das mais belas e improváveis características da humanidade: a vida compartilhada e recheada de sentidos afetivos.  

 

O capitalismo incorporou a essência humana e transmutou tudo em valores de mercado, porém, não podemos nos esquecer que antes mesmo desse modelo econômico surgir na cabeceira da história de 200 mil anos de existência humana, já éramos uma espécie que se aglutinava e compartilhava valores, significados, afazeres, sentidos. Uma espécie que necessita uns dos outros para sobreviver ao universo sedento.

 

De que vale pedaços de papel com poder de compra, fachadas incólumes de concreto, transportes blindados, os diversos privilégios materiais, se a segregação humana de afetos e comprometimentos está nos destruindo? De que vale o dinheiro quando estivermos mortos, a carne apodrecendo, a mente vazia, o corpo não responsivo? De que valerá milênios de luta evolutiva se não conseguimos olhar o outro diferente ou igual como, acima de tudo, semelhantes responsáveis pelos sentidos partilhados de nossa existência, uma partícula motivacional que vai muito mais além do que as preferências particulares e egocentradas?  

 

A população humana do mundo está se extinguindo e somos sujeitos ferozes, ao mesmo tempo que espectadores passivos, de nossa própria destruição. Qual é zumbi, acorde! Dinheiro compra comoção, no entanto, não é uma comoção genuína, que nasce das entranhas do seu pequenino corpo mutilado e marcado pelas dores e amores.

 

Qual foi o momento da história da humanidade em que iniciamos um caminho sem volta para a barbárie que assola e move todos rumo a uma destruição generalizada dos variados aspectos simbióticos da nossa estupenda existência?

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