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Publicado: Segunda-feira, 14 de abril de 2008

A Escritora

Desde criança ela sonhava ser um dia uma grande escritora, tão famosa quanto Raquel de Queiroz, afinal, que é que a Raquel tinha que ela não tinha?
 
A vida incumbiu-se de dar a resposta, ou melhor, deixar sem resposta essa sua indagação.
 
Crianças têm essas fantasias, uns querem ser artistas, outros astronautas, outros jogadores de futebol, ela queria ser escritora e, como a grande maioria, teve que relegar seu sonho às profundezas de sua alma, lá onde ficam arquivados os desejos irrealizados, as frustrações, os amores impossíveis....
 
A vida seguiu seu curso normal. Ela casou-se, teve filhos, trabalhou, um trabalho que não tinha nada a ver com sua vocação, aposentou-se.
 
Os filhos casaram-se, foram embora, o marido se foi e ela se viu completamente só e livre, uma liberdade que, a estas alturas, não servia mais para nada.
 
E, foi então que ressurgiu nela a vontade de escrever. Contos, poesias, crônicas, pensamentos, coisas que ninguém lia, uma espécie de mania, caduquice, loucura mansa que não incomodava ninguém e a qual ninguém dava maior importância.
Mas, ela tinha uma leitora assídua, sim!
 
A Neta, que era sua fã incondicional:
- Vó! Você escreve muito bem! Devia escrever um livro!
- Eu? Escrever um livro? Imagine! Esse sonho já morreu há muito tempo!
 
Foi a Neta que descobriu o concurso de crônicas e incentivou a Avó:
- Vó! Você tem que participar!
 
Ela relutou um pouco, mas acabou aquiescendo. Afinal, não tinha chance de ganhar, mas, também não tinha nada a perder.
 
E lá se foi a Crônica para o concurso.
- Vó! Sua crônica está muito boa! Se eu fosse da Comissão Julgadora você ganharia o primeiro prêmio!
- Sem dúvida!
 
Havia vários prêmios e os cinqüenta melhores seriam incluídos em um livro.
- Se eu ganhar o primeiro prêmio, uma viagem a Lisboa com acompanhante, você vai comigo!
- Tenho certeza de que vamos, Vó! Já vou até começar a arrumar as malas.
 
Mas, é claro que era brincadeira. Havia mais de mil inscritos, devia haver muito escritor bom por lá. Fazer parte do Livro dos cinqüenta já seria a suprema glória para as duas.
 
O tempo continuou passando e esgotou-se o prazo concedido por Deus para a Escritora.
 
Ela se foi tranqüilamente sem maiores comoções. Idade avançada, missão cumprida, hora certa.
 
Bens repartidos, nome apagado das listas, em breve foi desaparecendo os vestígios de sua passagem por este Mundo e sua lembrança apagando-se das memórias.
 
A Neta juntou todos seus escritos e guardou em uma gaveta, maneira delicada de não jogar fora.
 
Mas, algum tempo depois chegou pelo correio endereçado a ela, um envelope com o timbre da Fundação organizadora do concurso de crônicas. 
 
A Neta abriu com mãos trêmulas e o coração disparado:
- Será que a Vó foi contemplada? Ou será apenas o comunicado do encerramento?
 
Qual não foi, porém, sua surpresa ao constatar que a Avó não ganhara uma menção honrosa, mas, sim o PRIMEIRO PRÊMIO!
 
Ali estava o convite para comparecer pessoalmente e receber o seu prêmio.
 
Dez dias em Lisboa, com acompanhante. (prêmio intransferível).
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