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Publicado: Segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

A caixa de botões

Num desses dias, me lembrei de você: eu arrumava um armário repleto de bugigangas, quando uma caixa cheia de botões caiu ao chão. Nem lembrava mais da existência da pequena caixa; até levei um tempo para entender o significado da mesma ao ver os botões caírem. Só quando me coloquei a catar as pequenas peças que haviam se espalhado rapidamente é que me lembrei da idéia que me ocorrera há muitos anos. Cada botão guardado tinha uma roupa que era dona dele e essa dona tinha uma história. A caixa estava repleta de pequenos discos de diferentes cores e tamanhos; alguns até de formatos não convencionais. E com esses botões, quando os recolhia, fiz meus pensamentos voltarem no tempo... Quanta lembrança boa! Tinha ali uns botões de minhas roupas de menino, da época das brincadeiras, de um tempo em que não se tinha nenhum compromisso com coisa alguma, era só criar passarinhos, brincar com o carrinho de rolimã, empinar papagaios...

Encontrei um outro de minha primeira roupa de escola e lembrei-me de minhas professoras, de meus amigos da época e da primeira menina que bagunçou com meus pensamentos. Encontrei o da minha roupa de primeira-comunhão e recordei-me das aulas de catecismo, da primeira confissão e das andorinhas que voavam pela abóbada do templo. Peguei em seguida alguns deles e não consegui me lembrar das histórias associadas. Não que eles não a tivessem; se estavam ali é porque eles, ou as donas deles, tinham histórias importantes. Mas são tantos os anos passados que de algumas já não consigo recordar nada, nenhum detalhe.

Encontrei também aquele do meu primeiro terno. Voltei a sentir a alegria de quando o vesti pela primeira vez. Era meu baile de formatura do ginásio: a valsa, a namorada, os amigos... Por onde andam todos eles? Fui então guardando um a um e me lembrando de antigas histórias, dos velhos amigos, de tanta gente que não tenho mais notícias. Vieram à mente boas lembranças, sabores, odores... Foi então que encontrei um botão vermelho, um pouco maior que os demais; um botão de vestido de mulher. E aí lembrei-me de você. Lembra-se daquele baile que fomos juntos? Conversamos tanto, bebemos toda cuba-libre que nos foi possível, nos divertimos a noite toda. E foi naquela madrugada, o céu já clareando, que você me falou que iria mudar de cidade, ou melhor, de país, e que seria muito difícil nos vermos a partir de então. Você estava de mudança para Londres; a família toda mudaria para outro continente. Fiquei muito triste. Aquelas últimas horas foram como uma eternidade; eu não queria que acabassem. Voltou-me então, depois de tanto tempo, o gosto do nosso último beijo e o aroma do perfume que você usava na ocasião. Nem parece que já são passados trinta e um anos. O botão caiu de seu vestido e, quando o peguei sobre o piso, você me pediu que o guardasse e que não esquecesse de você. Eu também tirei um botão de minha camisa e lhe fiz o mesmo pedido. Por onde anda hoje meu pequeno botão branco? Lembro-me de que recebi uma primeira carta, respondi, mais uma, também respondi, a terceira já demorou um pouco mais e as seguintes foram se espaçando, até que não houve mais cartas. Nunca mais tive notícias suas.Naquele dia, fiquei olhando os botões por quase uma hora. Guardei-os de volta e fiquei pensando nas histórias por mais um tanto igual de tempo. Algumas lágrimas escorreram-me pela face. Depois, ainda pensei comigo, imagine que agora quase ninguém troca botões, tampouco eu fiz muito isso. Acho que os botões de hoje já não têm histórias para contar.

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