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Publicado: Quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A cabeça benfeita e a atitude contraescola

A cabeça benfeita e a atitude contraescola
A atitude contraescola nos ajuda a contruir outros e novos jeitos de aprender!

A leitura me inspira a escrever.  Toda vez que me dedico a uma leitura qualquer, o que me interessa não é tanto o que diz o autor, mas o que ele me deixa dizer.  Por isso, quase sempre, desconfio do trabalho de leitura realizado nas escolas. A preocupação excessiva com o que o autor quis dizer anula a possibilidade de tantos outros dizeres, inspirados pelo que se leu. 

“A Cabeça Bem-Feita”, de Edgar Morin, é um pequeno livro, que mais parece um  pequeno  tesouro, tamanho é seu valor na missão sublime da escrita: suscitar novos dizeres. “A Cabeça Bem- Feita” não sai da minha cabeça e nela, fervilha um turbilhão de pensamentos.  

De maneira direta e assertiva Morin coloca o dedo na ferida e de forma criteriosa nos permite compreender que o conhecimento escolar da forma como está organizado não nos torna melhores, nem mais felizes.  Ao contrário, a vivência escolar “não consegue conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época”.

O que fazer? Destruir todas as escolas do planeta?  Erradicar professores?

Confesso que, diante tantas situações vividas ao longo da minha carreira, esse já foi o meu desejo.  Uma delas, bem recente, foi presenciar uma professora dizendo em voz alta, enquanto assinava o livro ponto, que o seu dia seria um inferno cheio de diabinhos (leia crianças de 5 anos)  a enfrentar .  Mas apesar disso, é claro que eu sei que destruir escolas não é a solução ideal: outros espaços sem a cabeça benfeita nasceriam no lugar. 

Então, o que nos resta?

Defendo a atitude contraescola, internalizada na cabeça dos educadores, para combater práticas pedagógicas que nos ensinam “a isolar os objetos, a separar as disciplinas, a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento”, como diz Morin.

Estamos incoerentes.  Adotamos uniforme para igualar personalidades, num mundo repleto de diversidade. Organizamos o conhecimento em disciplinas e o conteúdo em grades, num contexto de aprendizagem em rede.  Separamos o prazer do trabalho... A alegria do aprender, num tempo em que a ciência já provou que o maior desejo do homem é ser feliz. Ou seja, continuamos replicando a escola do passado e desejando a vida do presente.  É, somos incoerentes.

Falta-nos a coragem e, talvez, muita humildade para reconhecer que: primeiro, a nossa escola vai mal, sim, senhor! O resultado do IDEB/2012 corrobora o fracasso: quanto mais tempo de escola, pior é o desempenho do aluno. E segundo, que não somos donos da verdade. Que podemos fazer escolas que aprendem, como já nos ensinou  Peter Senge, numa continua atitude contraescola   

Atitude contraescola não é revolta, nem destruição. Não é chateação, nem mau humor. É, sim, a possibilidade da cabeça benfeita, que se entrega ao desconhecido, com respeito e compromisso; que desconfia do que está posto, com conhecimento e reflexão. E, sobretudo, que deseja, com crença e concepção, construir outros jeitos e novas formas de aprender com todos os alunos.  

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