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Publicado: Terça-feira, 19 de setembro de 2006

A arte e o problema de cochilar

Quem nunca cochilou? Sobretudo os que se dizem mais cansados, cochilar chega a ser uma espécie de esporte que todos praticam. Uma arte que cada um tem seu momento preferido de exercer, que requer técnicas e inspira teorias. Por que cochilamos? Será que é defeito? Há hora certa pra cochilar? E os que não cochilam, são normais?

Conheço gente que passa horas cochilando no sofá, na frente da televisão. Conheço comerciante que, entre um freguês e outro, dá uma cochilada (diz este inclusive que, se os cochilos foram constantes é sinal de que o comércio está fraco no período). Conheço gente que cochila no trabalho, usando a mais antiga das técnicas: finge que vai ao banheiro e dá aquela cochilada de dez minutos. Conheço até quem cochila na missa e coloca a culpa no estilo de homilia do celebrante. Também já conheci os que cochilavam no volante, resultando algumas histórias tristes.

Cochilar é uma necessidade física. O nosso corpo às vezes precisa de uma pausa e não quer saber se estamos no meio do expediente. Não confundamos o cochilo com o sono mal dormido. Este último é resultado de noites contínuas de trabalho, aquelas em que vamos nos deitar mais tarde que o habitual e das quais resulta o sono acumulado. O cochilo fica à espreita, chega de repente. Muitas vezes estamos com o sono em dia, mas bate aquela vontade cochilar.

Alguns pesquisadores afirmam que o cochilo faz bem, principalmente após as refeições. Há especialistas que sugerem a executivos e funcionários de ofícios estressantes, pequenas pausas durante o dia para alguns cochilos. Após um cochilo de quinze minutos, afirmam os médicos que as idéias circulam melhor na cabeça, que as tensões do dia são aliviadas, que o humor melhora e que os funcionários rendem mais em produtividade.

Pessoalmente, gosto de cochilar. Mas só nos momentos apropriados. Na Cúria Diocesana, onde trabalho na Redação do jornal O Verbo, meus colegas perguntam por qual motivo vou e volto para Jundiaí de ônibus, ao invés de utilizar um carro. A explicação é simples: não abro mão do cochilo dentro do ônibus. São setenta minutos de um cochilo gostoso, na ida e na volta. Em casa, nos dias mais folgados, cochilar depois do almoço é uma tarefa prazerosa. Cochilar na poltrona vazia, diante da televisão é outro programa melhor do que ver novela.

Só não é bom cochilar em nossa vida espiritual e na prática da nossa fé. Há católicos que parecem entrar em períodos de hibernação, como aqueles ursos polares que no inverno passam cerca de três meses dormindo continuamente. Ficam um tempo enorme distantes da Igreja e da Comunidade. Cochilam espiritualmente no sentido de “dormir no ponto”, como se diz na gíria, deixando de lado os sacramentos ou mesmo a freqüência na missa.

Sabemos que, dando espaço ao descuido, um cochilo transforma-se em sono profundo. E facilmente um pequeno cochilo pode causar grandes desastres. Quando deixamos de lado as coisas relativas à nossa religião, quando deixamos de nos importar com as práticas da nossa fé, estamos cochilando espiritualmente. Esse tipo de cochilo é nocivo e devemos acordar dele o mais rápido possível.

O cochilo espiritual é normal em nossa vida. Faz parte da perseverança na fé o saber enfrentar e afastar esses momentos cíclicos da espiritualidade de cada um. O importante, sempre, é não se deixar levar. De cochilo em cochilo, cair no sono profundo. É preciso estar com os olhos sempre abertos, mesmo que escorados com palitinhos, como se vê nos desenhos animados.

Assim, cochilar na fé não faz bem para a nossa alma, embora o cochilo possa ser benéfico ao corpo e à mente. Agora preciso encerrar este artigo, encontrar para ele um parágrafo final. Mas antes farei uma pausa, para uma cochilada. Depois eu termino. Amém.

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