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Publicado: Sexta-feira, 7 de maio de 2010

A agricultura nossa de cada dia

A propósito da recente visita ao Brasil do italiano Carlo Petrini, idealizador da fundação Slow Food (em oposição a fast food), reproduzo algumas de suas ideias por julgá-las tanto mais pertinentes nestes últimos meses em que o excesso de chuva causou enormes prejuízos às plantações e, por tabela, às contas bancárias dos agricultores (refiro-me aos pequenos agricultores, não ao agronegócio).

Ao nos prover nossa alimentação, os agricultores são diretamente responsáveis pela nossa sobrevivência (Petrini: Comer é um ato agrícola). Deveriam ter o prestígio correspondente e levar uma vida digna, não é? Mas na prática acontece o contrário: o agricultor não é valorizado em nossa sociedade. A renda per capita rural é de R$ 360,00 (dados de Rui Daher, comentarista do Terra), menos da metade da renda/capita urbana, que é de R$ 786,00, e o analfabetismo é muito mais alto no campo, lá somente ¼ da população completa o ensino fundamental. Faltam estradas trafegáveis em qualquer tempo, é difícil o acesso às escolas, como também aos serviços de saúde. Além disso, o agricultor é visto como caipira e retrógrado, uma vez que é nas cidades que fazemos e acontecemos.

Afinal, hoje comida vem do supermercado, certo? Estamos (mal) acostumados a comprar nossa alimentação lá, onde as prateleiras estão sempre abarrotadas de mercadorias, seja qual for a época do ano. Lembro que quando eu era criança, morango só tinha nos meses de julho e agosto. Hoje está à venda quase o ano inteiro. A idéia é oferecer opulência sempre, induzindo-nos a comprar, comprar, comprar, como se os ciclos da natureza lá longe, de onde vem os produtos, não tivesse nada a ver com eles. Nem ficamos sabendo que muitos produtos rodaram/voaram milhares de quilômetros para chegar até as prateleiras ou que foram gastas toneladas de fertilizantes e agrotóxicos para tirar o máximo da terra (e comprometendo a saúde do agricultor e do planeta). Bem que alguns produtos são tão modificados com sua industrialização que muito pouco tem a ver com sua origem, mas o produto in natura não deixa de ser o começo do processo. Assim temos comida da indústria (padronizada, higienizada, com conservantes, colorantes, estabilizantes e mais montes de “antes”, contendo valor calórico A e vitaminas XYZ, sem glúten ou gordura trans), e não mais da natureza... Diz Petrini: Os agricultores são mais importantes do que as multinacionais que não se importam com nossa saúde e só querem fazer negócio, transformando nossa comida em simples mercadoria. Não é verdade que comida industrial custa menos: eu pago a mais o preço da saúde, os custos de transporte e a perda da biodiversidade.

Petrini continua: "Somos em sete bilhões, produzimos comida para 12 bilhões e ainda um bilhão passa fome. Mais da metade do que produzimos é jogado no lixo. No sistema consumista, só conta o preço, e não o cuidado, a produção e o modo de conceber os alimentos", conclui. Segundo a revista Época, no mundo temos um bilhão de pessoas passando fome e 1,7 bilhão de pessoas que sofrem de doenças relacionadas à obesidade. E lá vem Petrini de novo:Vivemos em uma sociedade em que se gasta mais para emagrecer do que para comer.”

Então o que fazer para consertar esta nossa relação conturbada com a comida? O Slow Food nos mostra uma alternativa ao advogar uma comida boa, justa e limpa. Comida boa é aquela tradicional de cada família e região preparada em pequena escala com ingredienteslocais (ao contrário do que oferecem as grandes cadeias de restaurantes com suas receitas iguais no mundo inteiro). Ela é justa quando paga adequadamente quem trabalha para produzi-la, o camponês ou o cozinheiro, para que eles vivam com dignidade. E é limpa quando sua produção não destrói o ecossistema, não usa produtos químicos ou acaba com a fertilidade do solo.

Além disso, Petrini propõe que consumidores e produtores se interessem mais uns pelos outros. “Nós precisamos construir essa rede de produtores e consumidores, ou co-produtores, que conheçam o que estão comprando. Pode-se sempre organizar grupos que comprem diretamente do produtor: a gente economiza e o camponês ganha mais. A construção de mercados camponeses também deve ser incentivada.” Ou seja, compre sua comida em feiras livres ou mercados municipais, sempre que possível diretamente dos produtores.

Aliás, o Slow Food não prega só que comamos devagar, à mesa e em companhia, mas também que vivamos mais devagar, não nos deixando levar pelo ritmo alucinante das grandes cidades. Confira no site www.slowfoodbrasil.com

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