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Publicado: Segunda-feira, 8 de agosto de 2005

60 anos de bomba atômica: do conhecimento profundo ao profundo horror

Qual a natureza essencial da matéria de que somos feitos ? O que se encontra no interior mais íntimo dessa matéria ? O que faz o Sol brilhar e aquecer ? Pode um elemento químico ser transformado em outro, como queriam os alquimistas ? A busca de respostas a estas questões oriundas da mais pura e saudável curiosidade científica abriu, paradoxalmente, o caminho para as armas mais aterradoras que o instinto bélico do ser humano foi capaz de motivar - as bombas nucleares!

As questões sobre a constituição da matéria e suas transformações martelam a mente de pessoas inteligentes há, literalmente, milhares de anos. No entanto, só começaram a ser respondidas de maneira realista no começo do século passado, através de evidências experimentais inequívocas apontando o fato de a matéria nossa de cada dia ser constituída por partículas, ou corpúsculos, absolutamente invisíveis aos nossos olhos e aos quais se convencionou chamar de átomos (que, em grego, significa indivisível).

Em apenas poucas décadas, através da dialética imprescindível entre teoria e experimentação, chegou-se a um modelo (esquema) de como deveria ser esse átomo: uma espécie de sol no centro (o núcleo), rodeado por planetas (os elétrons) movimentando-se a velocidades comparáveis à da luz. O aperfeiçoamento do modelo levou ao fato de que os elétrons não descrevem órbitas definidas, como os planetas, mas apenas têm probabilidade maior de estar em determinados lugares do que em outros.

O aperfeiçoamento da experiência mostrou que, apesar do nome, nem o átomo como um todo nem seu núcleo eram indivisíveis. Atirando-se núcleos pequenos contra outros maiores, esses núcleos maiores se rompem e transformam-se em dois ou mais núcleos menores. Mas isso tem um limite, ou melhor, dois: o próton e o nêutron. Os núcleos são aglomerados de prótons e nêutrons, duas partículas praticamente iguais, com quase a mesma massa, mesmo tamanho, apenas diferindo pelo fato de que prótons repelem-se uns aos outros (uma espécie de força da gravidade ao contrário) e os nêutrons não atraem-se nem repelem-se e também não atraem nem repelem os prótons, pelo menos não como os prótons fazem entre sí.

Também ficou estabelecido que os tais elétrons ficam "orbitando" em torno do núcleo porque são atraídos pelos prótons que estão nesse núcleo. Prótons repelem-se. Elétrons repelem-se. Mas prótons e elétrons atraem-se. Essas atrações e repulsões devem-se a algo intrínseco a essas partículas, algo a que convencionou-se chamar de carga elétrica, sendo chamadas (por mera convenção, também) carga negativa no elétron e carga positiva no próton. E a força que surge por causa dessas cargas é conhecida como força elétrica. Na verdade, força eletromagnética, pois o fenômeno do magnetismo (a bússola, os ímãs dos auto falantes, etc) é uma outra face dessa força devida às cargas.

Mas se os prótons se repelem, e muito fortemente, devido à sua carga positiva, como é que eles ficam todos alí confinados no núcleo, praticamente roçando-se uns nos outros e também nos nêutrons ? Existe algo mais entre os prótons do que a força eletromagnética ? Algo muito mais forte, que vence a repulsão entre os prótons e os mantém alí presos no núcleo ? A resposta é sim ! Esse algo é chamado de força nuclear forte. Ela faz com que tanto prótons como nêutrons atraiam-se mutuamente com uma intensidade muito maior do que a repulsão eletromagnética entre os prótons. No entanto, se os prótons ou nêutrons afatarem-se uns dos outros só um pouquinho, um nadinha que seja, essa força nuclear desaparece, deixa de atuar. O mesmo não ocorre com a força eletromagnética. Ela fica mais fraca conforme as partículas se afastam umas das outras, mas nunca deixa de atuar. Então, se a distância entre os prótons aumenta só um pouquinho, lá no núcleo, a força de repulsão eletromagnética continua atuando e a força nuclear não.

Isso tudo quer dizer que no núcleo de cada átomo de todos os objetos ao seu redor - uma mesa, um lápis, o vidro da tela do computador ... enfim, tudo - existe quantidades colossais de energia aprisionada. Uma quantidade infinitesimal dessa energia foi usada para mandar para o beleléu duas cidades japonesas no fim da segunda guerra mundial. A energia foi liberada ao se quebrar átomos de urânio, em Hiroshima, e de plutônio, em Nagasaki. O plutônio é um elemeto químico artificial, i.e, que não se encontra na natureza e é produzido por uma transmutação do urânio.

É um paradoxo dos mais terríveis que o desvelar de alguns dos mistérios mais íntimos e bonitos da natureza tenha aberto caminho para a mais maldita das criações humanas. É fato que também abriu caminho para muitas aplicações benéficas, como as usinas nucleares para produção de energia elétrica, a radioterapia, os exames com ressonância magnética etc. O conhecimento em sí é completamente neutro. As escolhas do destino dado a esse conhecimento é que estão sujeitas ao que há de melhor e pior nos homens.

Não creio que se possa condenar o esforço americano de produçao das primeiras bombas. A Alemanha nazista também estava no páreo e é difícil imaginar o que seria do mundo hoje se, ao invés dos aliados, tivesse sido Hitler o primeiro a possuir a bomba. Qualquer pessoa que tenha lido algo a respeito ou que tenha assistido ao recente filme "A queda", sabe muito bem do desprezo de Hitler pela vida humana. O que realmente é difícil de aceitar é os EUA terem usado a bomba contra duas populações civis, como fizeram.

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