Ó....
Itu é mesmo uma cidade peculiar. Os hábitos que os caipiras desenvolveram por aqui são muito interessantes, a começar pela maneira de se cumprimentar: ó...
Na minha meninice, quando mudei definitivamente da capital para cá isso me perturbava muito, achava o “úrtimo de caipirice” e morria de vergonha quando sem querer, também soltava um ó... Aquele monte de erres que a gente daqui sapecava a torto e a direito ardiam no meu ouvido, era difícil entender algumas palavras, às vezes frases inteiras. Levei um bom tempo para me acostumar.
A convivência com a família, toda ituana, as tias e tios, as bisavós, os amigos da casa e até as colegas do Colégio Patrocínio, foi me apresentando um universo de palavras e expressões até então desconhecido para quem estava habituada ao linguajar da capital.
Andar pela cidade também era complicado, todos me conheciam, ou melhor, me reconheciam pelas feições da família, pessoas que eu nunca tinha visto me paravam e diziam: você é a cara da sua mãe, ou então: nem precisa dizer que você é gente dos Leitão...
Confesso que a princípio isso me deixava muito brava, na entrada da adolescência, querendo e precisando afirmar minha individualidade, me achando única, e toda a cidade podia recitar minha ascendência inteira! Foi um golpe que meu ego demorou a absorver.
Quando chegava em casa, as notícias de minhas inocentes estripulias infantis já eram sabidas, certamente algum sermão me aguardava e dependendo da gravidade, um bom castigo (foi o caso quando, com algumas amigas do Colégio Patrocínio, resolvi matar aula; não preciso dizer que as freiras ligaram para nossas casas achando que estávamos doentes...)
Mas, assim, sem perceber, com o passar do tempo fui me enfronhando no jeito de viver caipira, gostando de procurar guloseimas no guarda-comida, de ouvir a retreta aos finais de semana, de brincar na calçada, de buscar manga, cajá, amora, abacate nas árvores dos quintais vizinhos.
Comecei a falar porrrta, verrrde, tomóver, faísca de pão, treler, bulir, e o inigualável ó...,
O Ó... (assim mesmo, comprido e demorado) é certamente uma marca registrada da identidade ituana, identifica e referencia toda uma gama de valores e tradições que estão tão marcados em nós quanto nosso próprio nome.
Da próxima vez que for cumprimentar alguém, seja você ituano ou forasteiro, experimente um ó.....
Observações – Segundo o Dicionário Houaiss treler é ser intrometido, mexer onde não deve; bulir é caçoar de alguém, zombar ou também mexer em alguma coisa.
Itu é o único lugar, pelo menos que eu conheço que pão não tem farelo, tem faísca. E tomóver é automóvel.