O que você vai ser, quando você crescer?"' do colunista Juliana Bernardes para o Itu.com.br."> O que você vai ser, quando você crescer?" | Itu.com.br"> O que você vai ser, quando você crescer?"' do colunista Juliana Bernardes para o Itu.com.br.">

Colunistas

Publicado: Quinta-feira, 5 de dezembro de 2002

"... São crianças como você/
O que você vai ser, quando você crescer?"

A gente fala do que já sentiu, do que já viveu, do que já experimentou. É difícil eu falar da dor da fome: nunca a senti. Há os que já a sentiram e, hoje, transformam esta dor superada em força para a luta contra a realidade desta dor: a dor da fome... Quanto a mim, que nunca a senti, resta sensibilizar-me, entristecer-me diante de realidades tão distantes e que sequer alcançam a minha imaginação, quanto mais o meu corpo físico... E tentar ajudar, às vezes, embora de modo tão pequeno, pois que sou muito pequena!
   
   Assim, a que já vivi e muito foi a dor do crescimento: TER que crescer. Disso posso tentar falar. A gente sofre por imposições: porque não podemos escolher - coisa que irrita, incomoda, sufoca... Com o crescimento é assim: não escolho se quero ou não crescer: cresço e é normal que eu cresça: goste ou não disso, esteja crescendo ou não como quero...
   
   O cabelo da gente, quando cresce, não dói. Nem o pé da gente. Mas por dentro a coisa é diferente: a transformação dói... Coisa que é esquisita: afinal, crescer tem a ver com mais, com aumento, com acréscimo; a gente "aumenta" de algum jeito! Como não gostar de ter "mais" do que antes só tive "menos"? (Estaríamos sendo enganados?)
   
   Este texto é para falar à criança que mais amo e que está crescendo: ela pode ganhar aqui tantos nomes... Quanto desejo de crescer, de ser perfeito, de ser gente grande..., capaz de transformar o mundo, de construir um mundo melhor... Criança é assim... Quer ser feliz quando crescer: só isso... Qualquer um é assim...
   
   Engraçado isso, foi inevitável... Nossa classe, estudando a "Magia da Transformação" em Ciências e a "Cidade como Centro Populacional onde as pessoas vão em busca de seus sonhos" , se viu diante da velha pergunta: "Ei, o que você quer ser quando crescer, hein?" A pergunta, suponho eu, é quase atemporal porque mexe com os sonhos do ser humano, com o que ele mais gosta e ama fazer: ela envolve a liberdade da escolha de ser feliz, de ser super-herói com nossas mãos, de ser (e sentir-se) humano, enfim...
   
   Cada um quer ser o melhor de todos... Quer ver que no mundo tem a mão dele, nem que seja um pedacinho só, mas tem que ter: ali deixa sua marca, faz-se eterno, imortal...
   
   Acontece que nem sempre o que a gente sonha é o que os outros sonham... Daí, os nossos sonhos de felicidade são substituídos, brutalmente, por sufocantes pesadelos de pressão... Isso tem a ver com os outros mandando no futuro da gente, com o ajustamento que temos de nos submeter às expectativas de outrens, à prestação (literalmente!) de contas que somos envolvidos, ao medo que aprendemos a ter do que apontam como nossos erros (???) insuportáveis...
   
   Aí há quem diga: deixe o mundo que se exploda: continue sendo quem você é e a escolher apenas o que seu coração manda...
   
   Ah... Mas não é bem assim: na verdade, nada assim... Há olhares, há de nos mantermos vivos: no corpo também, na alma... Por isso, não é assim: me vejo já me importando tanto com os outros...: é uma estranha mistura de sonho e realidade! Por isso, sofro...
   
   Então, eu digo que a tristeza acontece quando a gente faz as coisas de um jeito que é do jeito da gente e o mundo adulto acaba não aturando a nossa criancice em viver os sonhos mais nossos... CHEGA, HORA DE CRESCER AGORA! VOCÊ SERÁ O QUE EU QUERO QUE VOCÊ SEJA! É MELHOR PARA VOCÊ!!!
   
   Sabe... Há de se entender, mas não se entregar: não o sonho, não a vontade de ser músico, artista, jogador de futebol, criança para sempre, de viajar de moto pela estrada sem destino, de querer que o que é bom pra gente nunca acabe...! Você diz, daí, que cresceu, que tem pessoas que dependem de você, que não há mais tempo para brincar de ser feliz... Não é muito cedo? Se a alma morre, não é verdade, pois, que para tudo fica tarde?
   
   Lá na nossa classe, quando a criançada me dizia do que queriam ser quando crescessem, escutei que a maioria deles estão sensibilizados para com as coisas dos animais: querem ser veterinários... Ah, o fascínio pela Biologia, pela Ciência da Vida... Que bom: o mundo precisa de tremendos SUPER-HERÓIS neste espaço... Mas houve também quem dissesse: "Quero ser escritora; quero ser repórter...", ao que eu, a Tia Ju, comentei:
   
   "- Puxa, eu também... Quando eu crescer quero muito ser escritora e trabalhar com notícias..."
   
   E a classe respondeu com aquela gargalhada mais linda do mundo:
   
   "- Tia, mas você já cresceu..."
   
   Sim, mas não perdi o sonho e não "terminei" de crescer! O sonho tem a ver com as coisas que a gente mais quer. Nem que sejam impossíveis: há de se ter esperança e viver o hoje como a coisa mais linda do mundo, porque prepara o amanhã... No hoje, faço o possível para o impossível do amanhã!
   
   Sabem... (de novo!) sei que podem obrigá-lo a ser um adulto que não pode fazer aquilo que quer; como você sofre! É A DOR DE NÃO TER O QUE MAIS SE QUER, QUANDO SE PODERIA TER MAS NÃO SE TEM PORQUE NÃO SE PODE...
   
   Mas que coisa mais complicada de se entender: eu não entendo!!! E eu não consigo deixar de pensar nisso, nem de ser solidária à tristeza, mesmo daqui: tristeza de quem não é livre na medida que descobriu que poderia ser...
   
   Não ter liberdade é ser privado da própria verdade, da alegria de viver. E quem não pode mais escolher como quer viver, com quem quer estar, o que pode fazer... fica engaiolado, fica podado de asas, não canta mais...
   
   Não queria que você ficasse assim mas... são as tais das transformações doloridas do crescimento que permeiam toda uma vida! E as coisas são assim porque o grande mal-estar do mundo é causado pela tortura da alma mediante pressões, autoridade, padrões, modelos: pela imposição do que você deve ser - que não respeita ou compreende o que você quer, o que você mais é: tanto faz!
   
   Sofro também em meu crescer... Participamos todos de um mesmo quadro: de crianças, cheias de sonhos, que crescem, imaginam e escolhem a paisagem a ser esboçada, desenham, não gostam das cores escolhidas, erram, fazem do seu jeito de novo, descobrem que a borracha não pode apagar tudo, mas que o pincel, por sua vez, fez desenhos belíssimos... que querem trocar de tela, desenhar de novo... e que sofrem com o olhar que diz: vai desenhar pra usar a borracha de novo??? E aqui dentro, onde há uma alma de artista, um espírito revolucionário e muito, muito solitário que grita: "E DAÍ? E DAÍ? E DAÍ???"
   
   Mas... acho que quando a gente passa a compreender e amar esses olhares que nos causam dor, a gente cresce...
   
   Nada é definitivo, disse o Rubem Alves: nem um casamento, nem uma profissão, nem um trabalho, nem a vida, nem a morte... Haverá sempre uma nova canção para se realizar os sonhos de ser... simplesmente o super-herói do Reino da Música!
   
   Aos meus alunos conto assim:
   
   "Era uma vez, um menino que sonhava em ser músico quando se tornasse grande...
   
   Aí ele cresceu, aconteceram coisas que ninguém esperava que fossem acontecer na vida dele; nem ele mesmo... Aí ele precisou ganhar dinheiro, crescer, criar responsabilidades... Ficou
Comentários