Opinião

Publicado: Terça-feira, 19 de setembro de 2017

Refugiados no Brasil: questão de humanidade, não de segurança nacional

Por Ali Hussein El Zoghbi.

Refugiados no Brasil: questão de humanidade, não de segurança nacional
"Um dos fatores que fomenta a criação de grupos fascistas, intolerantes e preconceituosos é a desinformação."

A crise mundial dos refugiados vem suscitando debates nem sempre produtivos e racionais sobre esta importante questão. Isso acontece quando, no discurso dos debatedores, ficam evidentes argumentos preconceituosos e fascistas.

Muito me espanta que aqui no Brasil já tenhamos algum movimento neste sentido. São grupos que dizem estar “defendendo o país”, mas o fazem disseminando o ódio contra os refugiados que aqui vêm encontrando um espaço para recomeçar suas vidas. E nem são tantos assim: de acordo com o relatório de 2016 do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, eram quase 9 mil em abril do ano passado. Nos últimos cinco anos, as solicitações de refúgio cresceram quase 3000%, o que demonstra uma vocação tipicamente brasileira, reconhecida pela ONU: “O Brasil sempre teve um papel pioneiro e de liderança na proteção internacional dos refugiados.”

Analiso a questão dos refugiados no Brasil com uma visão humanitária. Na FAMBRAS, Federação das Associações Muçulmanas do Brasil, entidade da qual sou vice-presidente, grande parte dos colaboradores são refugiados. Eles me mostram, a cada dia, o que já se sabe e é comprovado historicamente: grupos estrangeiros que vieram para o Brasil após as duas guerras mundiais deram colaborações inquestionáveis para o desenvolvimento deste país. Minha história nasce deste viés, pois sou filho de um mascate libanês que veio para o Brasil, empreendeu, ajudou a organizar sua comunidade e desenvolveu ações beneficentes em prol de pessoas das mais variadas religiões, levando em conta, apenas, suas necessidades.

Um dos fatores que fomenta a criação de grupos fascistas, intolerantes e preconceituosos é a desinformação. Muitas pessoas não entendem, por exemplo, que sou brasileiro e muçulmano – assim como existem brasileiros católicos, brasileiros judeus e assim por diante. Muçulmano é o adjetivo que caracteriza a religião que eu professo, apenas isto. Não define minha posição política ou se sou simpatizante de alguma causa. É essa desinformação que também leva algumas pessoas a pensar que muçulmano é terrorista - o que é, na verdade, um preconceito. Mal sabem que o Islam é uma religião que prega a paz, a compaixão e valoriza a vida. Quem mata ou comete atos violentos citando a religião como justificativa comete um erro gravíssimo. Em nenhum trecho do nosso livro sagrado, o Alcorão, há qualquer orientação neste sentido.

O Islam também preconiza o respeito às diferenças. É por isso que, por meio de suas ações, a FAMBRAS esclarece o que é o Islam - e jamais fomenta conversões. Entendemos que a diversidade religiosa é algo divino, pois nos permite exercitar a tolerância e buscar a conciliação. Sem esta pré-disposição, não mais ‘caberemos’ em nenhuma sociedade.

Como brasileiro e seguindo o que minha religião prega, defendo os direitos dos refugiados, traduzidos e garantidos sob forma de lei. Torço para que a nova Lei de Migração seja aprovada, uma vez que o Estatuto do Estrangeiro, que até então regia esta questão, não mais responde aos anseios da atualidade. Não acho que a crise dos refugiados no Brasil é uma questão de segurança nacional, mas sim, de humanidade. E, de verdade, acredito que o Brasil é capaz de receber, respeitar e acolher estes irmãos que sofrem, e que já nem sabem se têm uma pátria para chamar de sua.


Ali Hussein El Zoghbi
é vice-presidente da FAMBRAS, pedagogo, jornalista e economista, também com destacada atuação na área de educação.

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