Opinião

Publicado: Quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Pena de morte, o princípio da soberania e o caso da Indonésia

Por Euro Bento Maciel Filho.

Pena de morte, o princípio da soberania e o caso da Indonésia
"Como se vê, se, de um lado, os terroristas vêm tendo um tratamento mais complacente e humano, de outro, os traficantes de drogas continuam sendo tratados com extremo rigor."

A recente execução de um brasileiro na Indonésia, por fuzilamento, deu início a uma série de debates. Afinal, esta foi a primeira vez que um brasileiro, preso e condenado à pena de morte por crime cometido fora do país, paga com a própria vida pelo delito praticado.

É evidente que toda a discussão gerada em torno dessa questão decorre, em grande parte, do fato de não estarmos acostumados com esse tipo de pena, já que, como bem se sabe, a nossa Constituição Federal proíbe, expressamente, as penas de morte, de caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento e cruéis. De fato, tamanha violência não faz parte do nosso sistema jurídico – ainda bem! –, muito embora, vez ou outra, vozes irresponsáveis apareçam para pregar a sua adoção.

De qualquer forma, ainda que tal mazela não faça parte do nosso Direito, fato é que o brasileiro foi fuzilado e morto, tudo consoante expressa determinação constante do sistema penal da Indonésia.

Positivamente, se analisarmos o fato sob um enfoque estritamente jurídico, a morte do brasileiro, efetuada em cumprimento a uma sentença legítima emitida por Membro do Poder Judiciário da Indonésia, não deveria causar tanto espanto. Afinal, queiram ou não, a Indonésia apenas se limitou a aplicar a sua lei a um caso concreto que ocorreu dentro do seu território.

Em suma, limitou-se a exercer o princípio da soberania.

A “soberania” é a capacidade que cada país tem de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica, de tal forma que qualquer norma interna só possa valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição. Em função do princípio da soberania, todo país independente – desde que seja assim reconhecido pela comunidade internacional – é soberano para decidir, no plano interno, não só quais leis devem ser aplicadas, mas, também, como aplicá-las.

Assim, se o sistema penal da Indonésia prevê a pena de morte para quem pratica o crime de tráfico de drogas e, ainda, se o brasileiro foi lá flagrado, de fato, com quilos de cocaína, tudo a demonstrar uma clara situação de tráfico internacional de entorpecentes, parece evidente que a imposição da pena capital é uma mera consequência lógica, absolutamente legal. Até porque, como normalmente acontece, o normal é que o Direito Penal de um determinado país seja aplicado a todos os fatos que venham a ocorrer dentro do seu território (princípio da territorialidade).

Porém, é bom dizer que, atualmente, os países não podem mais ser vistos e entendidos como “ilhas” no mapa mundi, ainda que cada um tenha a sua própria soberania. A ideia de soberania estatal, hoje, deve ser compreendida a partir dos conceitos de abertura, cooperação e integração. Não há mais que se falar no antigo conceito de soberania nacional absoluta, que tinha os Estados isolados uns dos outros, que pouco se comunicavam entre si. Hoje, vivemos num mundo globalizado, numa época em que os países “dialogam” mais entre si e buscam, conjuntamente, maior cooperação e formas de regulação jurídica cada vez mais vinculantes.

Porém, mesmo apesar da evolução do conceito de soberania, a Indonésia, nesse caso atrelada aos antigos parâmetros, fechou-se em si mesma e aplicou a sua lei.

Entretanto, muito embora não se pretenda aqui discutir a soberania da Indonésia, fato é que a circunstância de se estar aplicando uma punição extremamente cruel a um cidadão estrangeiro, cujo país natal não prevê a pena capital, deveria ter merecido uma maior atenção por parte das autoridades indonésias.

Com efeito, por se tratar o condenado de cidadão estrangeiro, o governo indonésio poderia ter se mostrado mais flexível. Ora, quem nasce, vive e cresce em um determinado país, evidentemente, está acostumado com o seu sistema penal, com seus princípios e com as suas leis.

Assim, quem nasce e é criado na Indonésia, sempre conviveu, desde pequeno, com a ideia de que o crime de tráfico de drogas é severamente punido. Trata-se, pois, de cidadão culturalmente habituado a esse rigor, que conhece as regras e com elas convive desde a mais tenra idade. Logo, caso resolva desafiar a lei, será por ela punido não só pelo crime em si, mas, também, porque ousou afrontar a legislação do seu País, a política legal do seu governo e, por fim, a sua própria “cultura”.

Porém, o mesmo não pode ser dito com relação ao cidadão estrangeiro.

Ora, ainda que o “turista” saiba que na Indonésia a pena de morte é comumente aplicada ao crime de tráfico de drogas, certo é que o cidadão que ousa desafiar o sistema punitivo indonésio não atua com o escopo de causar descrédito às instituições ou à cultura legal do país. Seu fim é meramente lucrativo.

Até porque, diferentemente do que ocorre com o indonésio nato, o estrangeiro não está ligado à Indonésia por raízes culturais, humanas e/ou sociais. Ele está ali apenas “de passagem”, ainda que seja para a prática de um ato ilícito.

Positivamente, tamanha violência imposta ao cidadão estrangeiro era, em tudo, desnecessária. A ideia moderna de soberania, baseada no diálogo entre os Estados e na cooperação mútua, demandava um desfecho diverso, mais humano.

Até porque, como bem se sabe, no Direito existe a presunção de que um determinado cidadão sempre estará ligado às normas do seu País de origem, esteja ele onde estiver. Por força disto, de acordo com o princípio da “nacionalidade ativa”, um determinado Estado tem o direito de exigir que o seu cidadão, quando no estrangeiro, adote comportamentos que estejam de acordo com o seu ordenamento jurídico.

No caso aqui discutido, é evidente que a conduta praticada pelo brasileiro é definida como “tráfico de drogas” tanto na Indonésia quanto no Brasil. Porém, enquanto o país asiático pune esse comportamento com a violenta pena de morte, o Brasil aplica, para o mesmo fato, uma severa pena privativa de liberdade, que pode variar entre 05 e 15 anos de reclusão.

O importante, aqui, não é saber qual legislação é “melhor” ou “mais eficaz”, mas sim perquirir se, apesar da soberania da Indonésia, a aplicação da pena de morte ao brasileiro poderia, ou não, ter sido evitada.

Nosso Código Penal prevê, expressamente, que a lei penal brasileira poderá ser aplicada ao brasileiro que cometa crimes no exterior (artigo 7º, inc. II, alínea “b”), desde q

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