Opinião

Publicado: Quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Sede de um novo modelo de representação política

Por Thiago Carbonari.

Crédito: Arquivo Pessoal Sede de um novo modelo de representação política
A sociedade está com sede, e não só de água, mas também de um modelo de representação política mais participativo

Estamos vivenciando em nosso Estado e em várias regiões ao redor do planeta o problema da falta d'água. A escassez é generalizada, atinge desde o consumo humano até o uso por empresas e agricultores.

Em Porto Feliz, apesar de não estarmos sofrendo racionamento ou não termos que lidar com o desconforto de torneiras vazias, a situação também inspira cuidados, pois as previsões indicam que a seca será bastante prolongada.

Já na nossa vizinha cidade de Itu, a situação é bem mais grave: a falta d'água é generalizada ao ponto do Ministério Público ter solicitado à Prefeitura do Município que seja decretado estado de calamidade pública.

Dada a gravidade da situação, surge a pergunta: de quem é culpa pela falta d'água? As causas do desabastecimento vão desde o problema climático propriamente dito até o descaso das autoridades que não procuraram aumentar a oferta d'água de forma a igualá-la à sua crescente demanda pela população. Mas podem ser agregadas em apenas uma: nosso modelo insustentável de desenvolvimento.

Todavia, a crise que a atinge a sociedade contemporânea não é uma crise apenas ambiental, na qual podemos perfeitamente incluir a questão da água, mas sim uma crise civilizatória. Se não mudarmos urgentemente o modelo econômico autodestrutivo que impera em nossa sociedade, onde o ter vale mais que o ser, e no qual o consumo desenfreado é sinônimo de felicidade e bem estar, as crises relacionadas a intempéries climáticas serão recorrentes. Pois os recursos físicos de nosso planeta não conseguem mais dar conta de nossa sede consumista.

Porém, o que fazer para mudarmos esse modelo? Sem uma mudança radical em nossas carcomidas instituições políticas, que não representam mais ninguém, a não ser os políticos eleitos e seus financiadores de campanha, continuaremos seguindo essa mesma rota predatória rumo ao caos. Mas como mudar? Escolhendo representantes dispostos a compartilhar seus mandatos com a população, de tal forma que esta última, e não o poder econômico, que financia com vultosos recursos as campanhas eleitorais da maioria de nossos atuais representantes políticos, possam escolher, de fato, quais são as prioridades para seu município, para seu Estado e para seu País.

Não é demais enfatizar: enquanto perdurar a atual sistema político, no qual os políticos são eleitos e releitos por coalizões nas quais os interesses resumem-se à preservação do poder e ao eficaz atendimento dos anseios dos grupos econômicos que financiam as campanhas, não haverá solução para os graves problemas que nos afligem. Pois o povo não passa de mero espectador nesse processo, sem qualquer possibilidade de tornar-se protagonista.

A falta d'água em Itu demonstra exemplarmente como essa promíscua relação entre o público e o privado, em um modelo de capitalismo predatório, acaba por prejudicar toda uma população que se encontra a margem das decisões políticas tomadas apenas pelo pequeno círculo de políticos que dominam a política local.

Senão vejamos: Itu cresceu; novos loteamentos e condomínios surgiram aos borbotões; a empresa responsável pelo abastecimento de água foi privatizada; e os investimentos em novas redes de abastecimento e em novos reservatórios não surgiram. A consequência dessa conjunção de fatores só poderia ser a falta generalizada d'água. Será que se a população tivesse sido ouvida durante esse processo, poderíamos ter um final diferente? É bastante provável.

Dada tal conjuntura, é bastante verossímil que as forças políticas, que dominam o cenário ituano, estejam reticentes em não seguir a recomendação do MP de decretar estado de calamidade pública (mesmo que isso implique em vinda de recursos para o município buscar uma solução para o problema) pelo simples fato de não terem uma solução planejada para apresentar à população ou simplesmente porque a falta d'água não seja prioridade para a administração local.

É em razão de tudo isso que a sociedade está com sede, e não só de água, mas também de um modelo de representação política mais participativo.

Thiago Carbonari é economista com mestrado em Economia Política, consultor financeiro e professor da Universidade de Sorocaba (UNISO).

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