Opinião

Publicado: Quinta-feira, 17 de abril de 2014

Eu tenho minha biblioteca e quero que você tenha a sua

por Maria Cristina Monteiro Tasca.

Crédito: Arquivo pessoal Eu tenho minha biblioteca e quero que você tenha a sua
"É sobretudo nos primeiros anos de vida que a criança está aberta às descobertas, fase fundamental na formação de leitores"

Sem receio de errar, diria que grande parte dos estudantes das últimas três décadas nunca esteve em uma biblioteca escolar. Parece estranho pensar que alunos passam pelo ensino básico, médio, chegam à universidade e dela saem sem ter tido o prazer de pertencer a um espaço onde as perguntas encontram muitas e diferentes respostas, espaço onde nunca ficamos sós, espaço onde os links são feitos espontaneamente, quando se salta de uma para outra estante. Esse espaço é a biblioteca.

O Censo Escolar da Educação Básica (2012) aponta que, das 122.716 escolas públicas de ensino fundamental do país, mais da metade (57,8%) não conta com biblioteca ou sala de leitura. Isso para não falar da ausência do profissional bibliotecário, um ilustre desconhecido, cuja função vem sendo gradativamente ocupada nas escolas pela figura do professor.

Nunca é demais lembrar que o trabalho conjunto de bibliotecários e professores seria o cenário ideal para as unidades de ensino, porém, vejo com muitas restrições atribuir as tarefas que compreendem a organização de uma biblioteca ao docente. A formação e funções desses profissionais são distintas e não há justificativa que convença que o professor poderá, sem formação específica, substituir o profissional bibliotecário.

Creio eu todos olhariam com estranheza se fisioterapeutas tomassem o lugar de médicos nos hospitais e me espanta a normalidade como encaramos a troca de papéis nas ecolas: os professores de português que dão aulas de matemática, os professores de história que dão aulas de qualquer disciplina e os professores que agora farão as atribuições de bibliotecários.

É sobretudo nos primeiros anos de vida que a criança está aberta às descobertas, fase fundamental na formação de leitores, onde o contato com os livros e outros suportes de informação é condição fundamental para despertar na criança o interesse pela investigação, pela aprendizagem espontânea e continuada.

Embora os livros em seu formato impresso ainda sejam as ferramentas mais utilizadas no processo acadêmico, as bibliotecas trabalham com diferentes recursos informacionais, incluindo nesses as modernas mídias que abrem um universo de oportunidades de pesquisa. A diversidade e posse dessas diferentes fontes de informação não garantem que os alunos estejam desenvolvendo competências para criar a necessidade da informação, a estratégia de busca e seleção de fontes confiáveis. A criação de espaços físicos e a aquisição de tecnologias, sejam elas livros ou computadores, não garantem isoladamente o desenvolvimento do aluno e menos ainda o prazer pela leitura que leva ao conhecimento. Uma biblioteca escolar deve contar com seu profissional bibliotecário que trabalhará conjuntamente com o professor, ambos norteados por um projeto pedagógico que atenda às necessidades de todos: funcionários, professores, alunos. A biblioteca escolar vai muito além de um “espaço de leitura”, elas são, principalmente, espaços de convivência e aprendizagem.

No ano de 2010 o governo brasileiro instituiu a Lei nº 12.244, que prevê a universalização das bibliotecas escolares no Brasil, tonando obrigatória a instalação de bibliotecas em todas as instituições de ensino do país, públicas e privadas, até o ano de 2020. A lei institui ainda recursos públicos para a educação que garantam a criação e a manutenção de bibliotecas em escolas públicas. Se a preparação para a Copa do Mundo tem sido um desafio, pense no tamanho dos entraves para que essa lei se concretize.

Como uma andorinha só não faz verão, compartilho a criação da campanha nacional - EU QUERO MINHA BIBLIOTECA. Trata-se de um movimento para efetivação da lei e tem o apoio de diversas organizações ligadas à educação, cultura: Movimento por Um Brasil Literário, Ecofuturo, Academia Brasileira de Letras, Conselho Federal de Biblioteconomia, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Instituto pela Co-Responsabilidade na Educação e Todos pela Educação. Entretanto, nessa campanha nacional nada será mais efetiva do que a participação de cada cidadão, divulgando em suas redes de contato, sensibilizando seus representantes políticos locais para que incluam a proposta de lei em seus planos de governo.

Através do site http://www.euquerominhabiblioteca.org.br todos terão acesso as informações sobre a Lei, publicações que orientam gestores para implantação de bibliotecas e apresentam linhas de recursos disponíveis, projetos de lei em tramitação e audiências públicas agendadas sobre o tema, informações sobre bibliotecas em escolas organizadas pelos parceiros da Campanha e um mapa que mostra, em tempo real, a adesão da população e de candidatos.

Entre tantas reivindicações, mais essa, e por mais bibliotecas. Mas, ainda que você não frequente bibliotecas, ainda que você não leia livros, ainda que você considere que temos questões mais urgentes a tratar, ainda sim, contribua para garantir o direito à informação e ao conhecimento que vê, analisa e transforma.


Maria Cristina Monteiro é mestre em Ciência da Informação, bibliotecária do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, atuando no Museu Republicano Convenção de Itu. É membro do Conselho Municipal de Política Cultural.

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