Opinião

Publicado: Segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Brasil, país da adulteração

Por Ines Trost.

Brasil, país da adulteração
"Só evoluímos e crescemos se valorizarmos a qualidade, a qual exclui qualquer adulteração."

Já estamos acostumados a comprar gasolina adulterada, a comprar serviços adulterados – como uma velocidade de internet x, mas só recebemos x-y, ou o fornecimento de água e energia elétrica, que deveria ser constante, mas na prática não o é. Estas adulterações todas tem um custo alto, tanto monetário – quando o carro exige mais manutenção do que deveria ou uma internet lenta faz nosso trabalho menos produtivo – quanto de desgaste mental, uma vez que nos estressam e assim acabam prejudicando a nossa saúde física e mental.

Mas há outras adulterações, especialmente dos serviços públicos, pois ao pagar impostos adquirimos, sob perspectiva moral e ética, o direito de esperar uma contrapartida de boa qualidade, além de termos certos direitos garantidos pela Constituição (que a meu ver não fala de qualidade - por não ser jurista posso estar enganada neste aspecto). Só evoluímos e crescemos se valorizarmos a qualidade, a qual exclui qualquer adulteração.

Nosso sistema de educação público é adulterado: Nossas escolas públicas são de péssima qualidade, conforme atestam diversos testes e rankings internacionais. Não é para menos, se a maioria dos professores acha que sua principal função não é transmitir conhecimento aos alunos, e sim formar cidadãos, ou seja, ensinar valores que acham adequados às crianças e jovens – tarefa esta que é da família e da sociedade em geral. Com isto se forma um batalhão de jovens despreparados para uma vida profissional satisfatória e bem remunerada, condenando-os a serviços pouco qualificados e sem perspectiva de evolução, além de suscetíveis a todo tipo de ideologias. Uma massa de manobra bem conveniente para os detentores do poder.

Nosso sistema de saúde pública é adulterado, uma vez que mal atende os casos de urgência, quanto menos serve a população que sofre de males menores, e menos ainda atua na área preventiva. A falta de equipamento básico desmotiva e dificulta a atuação dos profissionais que trabalham nos centros de saúde e hospitais, e a falta de pessoal faz o atendimento ser postergado por muitos meses, levando a população a um sofrimento desnecessário e à auto-medicação, que é tudo que a indústria farmacêutica quer, além de fazer as pessoas gastarem um dinheiro que deixa de estar disponível para uma alimentação saudável, cursos, lazer, etc.

Nosso sistema jurídico é adulterado, já que até a suprema corte do país, o STF, decide com base no que acha melhor para o país, e não com base na Constituição. Muitos juízes procuram fazer justiça social com suas decisões, embora não seja este o seu papel. Além disto, justiça que tarda não é justiça.

Nosso legislativo é adulterado, já que nossos representantes representam muito mais a si mesmos do que a população que os elegeu. Sua posição é legitimada pelo voto, mas sua atuação esquece disto ao dar prioridade aos interesses pessoais.

Nossa democracia é adulterada, uma vez que os três poderes não são independentes e se controlam uns aos outros, mas sim tudo gira em torno de Executivo que é dono do dinheiro. Em vez do Executivo executar o que os outros 2 poderes definem, é ele que manipula e compra os outros 2 poderes conforme seus próprios interesses, que dificilmente são os mesmos da população. Democracia é muito mais do que ter eleições livres.

Nossa cidadania é adulterada, pois temos muito mais deveres (pagar impostos, respeitar as leis, etc.) do que direitos, já que nem o direito básico à segurança e à saúde estão garantidos.

Faltam também os bons exemplos das figuras públicas, que ou servem a interesses comerciais ao divulgar produtos ou modos de vida, ou, no caso da classe política, representam mais seus próprios interesses e não os daqueles que representam. Falta, portanto, educação para a cidadania, que se faz pelo exemplo e não pela força, dando ordens. Falta igualdade de oportunidades, dada a falta não só de recursos intelectuais de boa parte da população, mas também de recursos psíquicos/emocionais e sociais. O fato de muitas crianças crescerem em ambientes insalubres e violentos e a incapacidade dos adultos de reconhecer a força da capacidade de organização para fazer valer seus interesses mutilam e diminuem a cidadania.

Então, o que fazer para mudar este quadro composto de muitas outras adulterações? Temos que protestar – já que calar é consentir – mas, mais importante ainda, é nos organizarmos para fazer valer nossos interesses. Isto custa tempo e dedicação, mas é o único caminho. Organiza abaixo-assinados, junte-se a grupos já existentes ou funde novos grupos para mudar a realidade insatisfatória, caso contrário a adulteração será eterna!!


Inês Trost é socióloga e se dedica às questões de sustentabilidade - do meio-ambiente, da sociedade e do indivíduo. É empreendedora no ramo de produtos orgânicos e uma ativista desta causa. É também colunista do itu.com.br, com a coluna "Sustentabilidade".

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