Opinião

Publicado: Quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Almir Suruí: "A ameaça ao povo da floresta"

Crédito: Arquivo pessoal Almir Suruí: "A ameaça ao povo da floresta"
"Uma grande quantidade de homens está derrubando nossas árvores. Todas as noites, dezenas de caminhões saem da floresta carregados de madeiras nobres"
Sete de setembro de 2009. Quarenta anos depois do primeiro contato com o homem branco, pouco temos a comemorar. A nação Suruí vive um momento dramático. Nosso povo está dividido entre os que defendem o meio ambiente e a cultura, e aqueles que cobiçam o ganho fácil e estão nas mãos dos madeireiros vivendo uma situação de medo. Centenas de madeireiros agem impunemente no interior da reserva. Quem não concorda, corre risco de vida. As ameaças são constantes.

Diante desse quadro, muitos de nossos irmãos estão dispostos a lutar para não permitir a entrada e a permanência desses invasores, mesmo que isso custe nossas próprias vidas. Alertamos para o perigo iminente de um conflito, que não existiria se os órgãos nacionais responsáveis cumprissem com o seu papel.

No dia 24 de agosto, encaminhamos o ofício 077/09 ao ministro da Justiça, Tarso Genro, com cópias para a Funai, Polícia Federal e Ministério Público, no intuito de denunciar a morosidade e o descaso dos órgãos competentes em relação à Terra Indígena Sete de Setembro. Este ofício reforça o expediente 061/09, encaminhado a Funai no dia 7 de julho. Esperamos, quem sabe em vão, por uma solução por parte das autoridades brasileiras.

Uma grande quantidade de homens está derrubando nossas árvores. Todas as noites, dezenas de caminhões saem da floresta carregados de madeiras nobres. As rotas mais utilizadas incluem as linhas 7, 14, 10 e 11, Boa Vista do Pacarana, Rondolândia e Fazenda Catuva. Denúncias dão conta de que funcionários do meio ambiente estariam envolvidos, alertando os invasores sobre a realização de operações policiais na reserva.

Madeireiras legalmente instaladas nos municípios de Cacoal, Espigão do Oeste e Ministro Andreazza, no sudeste de Rondônia, abrem seus portões no meio da madrugada para receber a carga expropriada de nossas terras. As serrarias beneficiam a madeira indígena e vendem como produto “certificado”, obtendo lucros altíssimos. Muitos dos nossos irmãos Suruí, aqueles que se submetem às exigências dos madeireiros, recebem uma quantia irrisória. Uma esmola. Assim, metade dos nossos irmãos são explorados. A outra metade vive ameaçada por ser contra o roubo da madeira, e exige que o Governo prenda os que cometem ilegalidade.

Querer a proteção da terra indígena e a garantia dos direitos indígenas parece ser crime. Eu me pergunto: onde estão as autoridades? Por quê nada é feito? A derrubada da floresta amazônica é ilegal e imoral. As reservas indígenas e biológicas são o último reduto da floresta original em Rondônia. Nosso estado derrubou boa parte de suas matas, desde a década de 70, para a extração da madeira e, posteriormente, a criação de gado, trilhando nelas um caminho sem volta.

Desde 1986, quando o ex-presidente da Funai, Romero Jucá, assinou contratos de venda de madeira em nosso território, não tivemos mais paz. A exploração predatória esgota rapidamente os recursos naturais e não traz benefícios à sociedade e ao país. A floresta tem um valor inestimável e não pode ser destruída a preço de banana.

Um  grande líder Surui, disse certa vez que, na ponta do facão entregue aos Suruí como um presente do homem branco, vieram doenças que quase dizimaram nossa nação. As matas são o maior patrimônio do povo Suruí. Ali está toda nossa cultura, nossa arte, nossas crenças e os espíritos de nossos ancestrais, desde tempos imemoriais.

A opinião pública internacional mostra grande preocupação com tudo o que está acontecendo na Amazônia. Por esse motivo, instituições respeitáveis dos Estados Unidos e Europa têm apoiado nossa luta há vários anos.

Não somos contra o desenvolvimento. Mas queremos que ele seja sustentável, que valorize a natureza. Aceitamos trabalhar em harmonia, em parceria. Por isso, elaboramos um detalhado plano de manejo para os próximos 50 anos. Temos ambiciosos programas de reflorestamento em andamento.

Estamos elaborando estudos sobre o sequestro de créditos de carbono para compradores internacionais. Comprovamos na prática que a floresta somente será economicamente viável se permanecer em pé. No final do ano, voltarei a defender nossos projetos na conferência COP 15, em Copenhague, na Dinamarca, a exemplo do que tenho feito nos últimos anos, em diversos países dos cinco continentes.

Esse é o modelo de planejamento proposto e já aceito por metade do povo Suruí. Um modelo que inclui parceiros mundialmente respeitáveis como o Google Earth, que em breve permitirá mapearmos todas as nossas terras, com monitoramento em tempo real, de qualquer ponto do planeta.

Sem a floresta, nada somos. Não podemos continuar sendo explorados. Com as ferramentas do Google, nosso grito de socorro será ouvido cada vez mais longe. Mas o temor por nossas vidas é ainda maior. Não sabemos com que rapidez as autoridades brasileiras reagirão ao nosso clamor. Nossa floresta está sendo destruída, nosso povo é explorado, sofremos ameaças de morte e tudo isso acontece em pleno século 21, exatamente como acontecia há 40 anos, da mesma forma que um dia alertou o grande um líder Paiter Surui.

Almir Narayamoga Suruí é coordenador da Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí, em Cacoal-RO. Em 2008 o líder indígena brasileiro recebeu em Genebra, na Suíça, um prêmio da Sociedade Internacional de Direitos Humanos, organização que atua em 26 países. E-mail: [email protected].

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