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Publicado: Quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Entrevista sobre o "Perigo dos Jovens Titânicos"

Entrevista sobre o "Perigo dos Jovens Titânicos"
A psicóloga Olga Sodré analisa a revolta dos adolescentes na França
Entrevista concedida a Agência “O Globo”
 
A psicóloga Olga Sodré analisa a revolta dos adolescentes na França e ainda apresenta aspectos particulares sobre a situação no Brasil: A Influência do Tráfico sobre a Juventude nas Favelas
 
Uma semana antes das revoltas dos jovens da periferia de Paris, em novembro do ano passado, a psicóloga brasileira Olga Sodré participava em Lyon, na França, de um colóquio sobre mitos e imagens inconscientes, promovido pela Faculdade de Filosofia de Lyon, a PUC do Rio e o Museu do Inconsciente. Na sua conferência, ela comparava os adolescentes que não cumprem os rituais de passagem da infância para a vida adulta - e, portanto, não constroem sua identidade, suas leis, seus valores e ideais - aos míticos titãs, deuses monstruosos que viviam em conflito destrutivo entre as gerações até que Zeus estabeleceu leis e a nova ordem do Olimpo. Olga se referia aos jovens das minorias das periferias de Paris, com os quais trabalhou há 25 anos como psicóloga de educadores de rua e, segundo ela, desde aquela época, não são respeitados nem aceitos com sua cultura diferente da francesa.
 
"Vocês estão sentados sob um barril de pólvora. A qualquer momento esses jovens que estão sendo pisados vão se rebelar. E vai predominar a revolta dos titãs, ou seja, a barbárie", previu. Ela já estava de volta ao Brasil quando se realizou a sua "profecia".
 
Olga teve intuição idêntica em 1980, quando tentou ajudar adolescentes das favelas cariocas a construir identidade, valores e ideais, num momento em que o tráfico de drogas apenas engatinhava. Mas, se o Estado na França é autoritário, aqui, segundo Olga, é ausente. Os traficantes das favelas tornaram-se assim titãs vitoriosos e dominam a vida nos morros.
 
Enquanto desenvolve aqui o projeto A Revolta dos Titãs e a Passagem para o Mundo Adulto, no pós-doutorado do Instituto de Medicina Social da Uerj sob orientação de Jurandir Freire Costa, Olga observa como os novos protestos de jovens em Paris tomam a forma da revolta dos titãs. Para ela, sem oferecer perspectivas sociais, ideais e possibilidades de realização, a sociedade, aqui e em Paris, fecha as portas aos jovens e favorece o caos.
 
A rebeldia dos adolescentes é comparável à barbárie dos titãs?
OLGA SODRÉ - O adolescente é um titã que precisa aprender a lidar com seus impulsos e encontrar seu lugar, seus valores e ideais. Zeus e os deuses do Olimpo, que representam os princípios ideais de amor, beleza ou justiça, descendem dos titãs. Essa transformação dos impulsos é necessária para a passagem da infância para a vida adulta. Ao trabalhar com educadores de rua da periferia de Paris há 25 anos, eu compreendi como a família e a escola podiam facilitar essa passagem do adolescente para a vida adulta. Se não ocorre esta passagem, há a vitória dos titãs, ou seja, os adolescentes não amadurecem. Na mitologia, os titãs eram deiades monstruosas, gerados pelas relações incestuosas de Gaia com seu filho Uranos. Os pais transavam com os filhos, os filhos matavam os pais e estes devoravam os filhos. Havia uma ausência total da lei que determina os lugares simbólicos na família e determina a sucessão nas gerações. Há uma etapa em que a criança acha que pode tudo, mas há um momento em que isso acaba. O adolescente se revolta porque não quer esse limite, mas ele precisa aceitar esse limite para se tornar adulto. A adolescência não é só um momento de construção de identidade, nem de troca de lugares, mas de construção de valores. Os jovens precisam de valores e de utopias. A sociedade está sem utopias.
 
Vem daí o fenômeno dos kid adults?
OLGA SODRÉ - Nas sociedades antigas havia os rituais de passagem que marcavam quando um jovem ia fazer parte do grupo dos pais. Nós perdemos esse exercício de passagem e isso explica por que há tantos adultos adolescentes. Na adolescência, o crucial é essa mudança de lugares e o respeito à lei simbólica que constrói esses lugares. A rebeldia tem aspectos positivos, mas ela só é construtiva quando os jovens percebem que não podem ocupar o lugar dos próprios pais. Aos poucos, esses jovens vão descobrir o seu lugar e a possibilidade de serem pais, construindo sua nova identidade adulta. Nas periferias de Paris, o jovem árabe que via o pai humilhado, o chefe do clã espezinhado, tinha dificuldades de construir sua identidade. E, se essa construção não ocorre, há um grave problema de estrutura psíquica. Ocorre, então, como já se observava naquela época, uma saída titânica desses jovens para drogas e violência. Na época, a minha orien-tação aos educadores é que valorizassem os pais árabes e respeitassem a sua cultura.
 
Você descobriu com as minorias de Paris que a identidade cultural é importante para o equilíbrio psíquico?
OLGA SODRÉ - Não, eu comecei a perceber isso a partir da minha própria condição de imigrante na França, para onde fui em 1966. Minha cabeça era francesa, eu adorava a intelectualidade francesa, Balzac e Flaubert. Mas o meu corpo gritava. Sentia falta de maresia, do cheiro de mar carioca. Só entendi o que acontecia comigo quando na época vi um filme, Pão e Chocolate, com Marcelo Mastroianni como um italiano barulhento que tenta virar suíço. Ele até pintava o cabelo de louro para negar sua origem. E percebi que era isso que os franceses faziam com os árabes e com os africanos para impor a cultura francesa. O Estado francês sempre foi muito autoritário e colonialista.
 
A partir de seu próprio conflito você resolveu trabalhar com as minorias?
OLGA SODRÉ - Certa vez uma mulher árabe gritava num hospital psiquiátrico em Paris e o psiquiatra disse que ela era histérica e queria medicá-la. Eu, uma jovem psicóloga, discordei. Disse que ela gritava porque ela estava sendo desrespeitada em sua cultura, sua identidade, sua linguagem verbal e corporal. E ela gritava exprimindo sua maneira árabe de protestar. Fui conversar com ela com a ajuda de um intérprete, mostrei que podia compreendê-la a partir de minha pró
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