Cultura

Publicado: Quinta-feira, 22 de maio de 2014

Katahira: uma família japonesa que escolheu Itu como lar

Há 80 anos, eles fazem história em solo brasileiro!

Crédito: André Roedel/Itu.com.br Katahira: uma família japonesa que escolheu Itu como lar
Seu Yoshihiro é o segundo filho do seu Ryochi, que veio ao Brasil no ano de 1934

Por André Roedel

Hoje em dia, o ato de fotografar se tornou bem prático. Basta sacar um celular ou uma câmera digital do bolso para sair clicando por aí. Mas antigamente isso era bem mais complicado. Não havia máquinas portáteis como as atuais e era necessário revelar o filme fotográfico para contemplar as imagens. Em Itu, por mais de seis décadas, todo esse procedimento era feito em um lugar: a Foto Katahira.

A loja, que era referência para fotógrafos amadores e profissionais de Itu e região, já não existe mais, mas as histórias desde antes de sua fundação seguem preservadas na memória dos descendentes da família e em fotografias guardadas com muito carinho. As fotos foram feitas pelo já falecido Ryochi Katahira, que veio da província de Hokkaido, no Japão, ao Brasil em 1934 a convite de seu irmão, Yoshie.

“Meu pai veio a convite do meu tio. Naquela época os imigrantes tinham que formar família com pelo menos quatro adultos para trabalhar. Meus tios convidaram meus pais e eles vieram. Só que meus pais não eram casados ainda. Então apressaram o casamento”, explica Yoshihiro Katahira, de 75 anos, segundo de dez filhos de seu Ryochi, que contou todos os passos de sua família no Brasil ao Itu.com.br.

Segundo seu Yoshihiro – que atende pelo nome de Vitor para facilitar a comunicação –, após desembarcarem em Santos, seu pai e sua mãe, dona Hideko, se estabeleceram na cidade de Marília (SP). Lá, eles trabalharam em plantações de algodão. Mesmo no campo, o hábito de fotografar de seu Ryochi continuou. Esse hobby viria a se tornar profissão mais para frente, quando mudasse de vez para Itu.

“Meu pai sempre mexeu com lavoura, mas ele gostava muito de fotografia. Então desde o tempo que morava no Japão, ele mesmo fotografava, revelava, fazia cópia”, conta seu Yoshihiro. Antes de chegar à nossa cidade, seu Ryochi morou em um sítio na vizinha Porto Feliz. Já no fim da década de 1940, ele resolve se estabelecer de vez em Itu, na região rural do Treme-Treme, próxima à fábrica da Brasil Kirin.

Katahira: uma família japonesa que escolheu Itu como lar

Foto Katahira

Nesta época, seu Ryochi vendeu o que tinha e pediu dinheiro emprestado para abrir seu estúdio fotográfico. No início da nova profissão, o público-alvo do patriarca dos Katahira era justamente as famílias japonesas que aqui viviam. “No início não tinha loja. Ele ia aos sítios tirar foto de família. Antigamente pouca gente tinha máquina, então quando ia tirar foto todo mundo se arrumava”, relembra seu Yoshihiro.

A tradicional loja só foi aberta em 1950, mas em um endereço que os ituanos mais novos talvez não se recordem: a Rua Madre Maria Theodora. Após alguns anos, a Foto Katahira se mudou para a Praça Padre Miguel (Matriz), onde ficou até o ano de 1970. Neste ano, a loja foi definitivamente para o lugar onde ficaria até fechar as portas, em 2012: a Rua Sete de Setembro, no Centro de Itu.

Na Foto Katahira, seu Yoshihiro trabalhava no laboratório e também fazendo fotografias de casamentos. Com o passar do tempo, foi deixando a tarefa de manter vivo o negócio do pai com seus filhos. Mas o surgimento da câmera digital fez com o que a empresa não se sustentasse mais. “Estava pagando para trabalhar”, conta o filho de seu Ryochi. Foi assim que a tradicional loja encerrou suas atividades.

Katahira: uma família japonesa que escolheu Itu como lar

Preservação da cultura

Para manter viva a tradição japonesa, seu Ryochi sempre realizava festas típicas e outros eventos nos fundos de sua residência. Outras famílias japonesas participavam das atividades, como danças, teatro e exibição de filmes. Essas atividades entre os japoneses residentes da cidade foram os primórdios do que hoje é a Associação Cultural Esportiva Nikkei de Itu, a ACENDI, fundada oficialmente em fevereiro de 1987.

Apesar de não participar tão ativamente das atividades hoje em dia, seu Yoshihiro se orgulha de ter colaborado com a fundação da entidade. Ele até se recorda dos tempos em que japoneses de Itu e Salto se reuniam no antigo campo de aviação (onde hoje fica o SESI) para jogar beisebol, esporte muito popular entre os nipônicos. Mas, por conta das novas tecnologias, essa proximidade foi se perdendo, conta o filho de seu Ryochi.

Seu Yoshihiro nunca foi ao Japão, apesar de ter vontade de conhecer a “Terra do Sol Nascente”. Já seus pais foram algumas vezes para o país natal, para rever parentes que lá ficaram. Os “Katahira japoneses” também visitaram os “brasileiros”, aproveitando para conhecer as novas gerações da família e também aproveitar as belezas do Brasil, como o Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu.

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Dificuldades

Seu Yoshihiro passou a infância morando no sítio e veio morar na região central de Itu no início da década de 1950. Chegou a fazer apenas o primário nas escolas “Cesário Motta” e “Regente Feijó”. “Até uns 12 anos, só falava em japonês. Por isso tive dificuldade de falar o português. Ia à escola e não entendia o que a professora falava”, relembra o nissei (expressão usada para designar a segunda geração dos imigrantes japoneses), que teve que aprender nosso idioma “na marra”.

No início da adolescência, seu Yoshihiro foi morar em São Paulo, onde seu pai havia adquirido uma nova loja (que acabou não dando muito certo). Ele ficou cerca de três anos na capital paulista, mas precisou retornar para tocar a loja de Itu, pois seu irmão mais velho, Paulo, foi convocado para servir o Exército.

Paulo, aliás, é o único filho de seu Ryochi que tem nome ocidental. Todos os outros possuem nomes de origem japonesa: Yoshikatu, Fumie, Kioko, Takashi, Seji e Cizuo (dois dos dez filhos faleceram ainda com meses de idade). Isso porque na época que ele nasceu, era proibido batizar os filhos com nomes nipônicos. Até falar no idioma japonês era considerado crime, já que o Japão era adversário do Brasil na 2ª Guerra Mundial.

“Um amigo do meu pai estava sendo preso e meu pai perguntou o que estava acontecendo, mas em japonês. Daí os policiais pegaram meu pai também. Só que ele ficou apenas uma noite preso”, conta seu Yoshihiro, relembrando um fato que ocorreu em meados da década de 1940, quando a família Katahira ainda não residia em Itu.

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Atualmente

Apesar das dificuldades iniciais, principalmente com o idioma e as diferenças culturais, seu Yoshihiro Katahira é muito grato ao Brasil e principalmente a Itu – cidade em que tocou os negócios da família por 62 anos. Foi aqui que ele trabalhou, se casou com a brasileira Sylvia, teve e criou seus três filhos (Simone, Denise e Kenji) e hoje acompanha o desenvolvimento de sua primeira neta.

Um dos filhos seguiu a profissão da família e hoje é fotógrafo. “O Kenji queria fazer medicina, porque dois irmãos meus são médicos. Só que um dia eu inventei de comprar máquina digital, daí ele começou a mexer e quis fazer fotografia”, relembra seu Yoshihiro. As outras duas filhas seguiram outras profissões: Simone se tornou arquiteta e Denise, jornalista – apesar da segunda ter trabalhado por anos na Foto Katahira.

Sobre a vinda da seleção do Japão para Itu durante a Copa do Mundo, seu Yoshihiro se mostrou surpreso, ainda mais em saber que o local de treinamento, o Spa Sport Resort, é de propriedade de um descendente de japonês (José Carlos Otonari, conhecido como “Kioshi”). “Foi uma surpresa, porque jamais ia pensar que a seleção japonesa viesse aqui. Não sabia que Itu tinha um espaço para isso”, conta.

Se a imigração japonesa no Brasil já tem mais de 100 anos, a família Katahira pode se orgulhar de fazer parte dessa história há 80. E sempre com muita garra, coragem e, principalmente, respeito às suas origens.

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