Cultura

Publicado: Quinta-feira, 5 de junho de 2014

Meninos russos em Itu: uma história de acolhimento e fraternidade

Cidade abrigou refugiados de guerra na década de 1950.

Crédito: Recanto Russo Meninos russos em Itu: uma história de acolhimento e fraternidade
Ivan Antonovitch Zubarev, Pe. Gury Campos e Olga Leontievna Zubarev em frente aos garotos russos em Itu

Por André Roedel

14 de março de 1954. Nesta data, uma ligação entre a Rússia e cidade de Itu começou a ser desenhada com a inauguração na cidade do Instituto São Vladmir – local que, por três anos, acolheu filhos de refugiados russos que encontraram abrigo no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Aqui, os meninos tiveram educação e atenção enquanto seus pais trabalhavam ou procuravam emprego.

Hoje, faltando poucos dias para a seleção russa de futebol chegar a Itu – onde realizará treinos durante a primeira fase da Copa do Mundo da FIFA 2014 –, o Itu.com.br conta os detalhes desta história que prova que nossa cidade tem experiência em receber bem visitantes da Rússia. Confira a matéria especial!

Meninos russos em Itu: uma história de acolhimento e fraternidade

O início

Depois que a União Soviética ganhou a Segunda Guerra Mundial com os Aliados, uma campanha contra o socialismo tem início – juntamente com a Guerra Fria. “Nesse momento, a quantidade de refugiados era muito grande. Gente que fugiu durante a Guerra e que acabou vindo ao Brasil, porque nós temos uma legislação de imigração que facilita muito essa acolhida de pessoas”, conta o Mestre em História e Regente do Coral Vozes de Itu, Luís Roberto de Francisco – que também é colunista do Itu.com.br.

Sem falar português e nem conhecer os costumes locais, essas famílias passaram por grandes empecilhos no início. A dificuldade era ainda maior para os imigrantes com filhos pequenos. Enquanto procuravam emprego ou iam ao trabalho, eles não tinham com quem deixar as crianças. Naquela época, a comunidade russa era ainda menor e não havia escolas ou internatos que recebessem aqueles garotos.

Preocupado com o que acontecia, o Vaticano enviou ao Brasil sacerdotes e religiosos que conheciam as tradições russas para dar assistência a esses imigrantes. O pioneiro dessa missão foi o padre Philippe de Regis, que residia na Argentina e visitava com frequência nosso país. Antigo reitor do Pontifício Collegium Russicum de Roma, foi dele a iniciativa de criar um internato para as crianças russas.

Mas o padre também tinha um problema: encontrar um local para montar esse internato. Ajudado pelo também padre Vassily Bourgeois, Philippe de Regis conheceu o casal Zubarev – Ivan Antonovitch e Olga Leontievna – que aceitaram receber em sua propriedade, em São Paulo, esses garotos. Porém o espaço não era adequado para a quantidade de meninos, por isso optaram, em março de 1954, por um lugar maior.

“Um grupo de meninas acabou ficando na cidade de São Paulo e um grupo de meninos foi abrigado aqui em Itu. Onde? Na Igreja do Bom Jesus”, explica Luís Roberto. O local foi escolhido por contar com um grande salão que antigamente funcionou a gráfica e editora da revista “Mensageiro do Coração de Jesus”. Ocioso, o espaço era perfeito para receber todos aqueles garotos que não tinham com quem ficar.

Meninos russos em Itu: uma história de acolhimento e fraternidade

A vida em Itu

Em Itu, os garotos russos conversavam entre si no idioma russo e aprendiam o português nas escolas externas. Segundo Luís Roberto de Francisco, os meninos estudavam no Grupo Escolar “Cesário Motta”, antigamente localizado no atual Espaço Cultural “Almeida Júnior”, que fica a meia-quadra de distância da Igreja do Bom Jesus, onde funcionava o Instituto São Vladimir.

A parte espiritual e administrativa do Instituto São Vladimir ficou a cargo do padre Gury Campos, que cuidava das finanças, compras e despesas e todos os domingos celebrava a missa no rito eslavo-bizantino na capelinha ortodoxa localizada nas dependências da Igreja do Bom Jesus. Todos os garotos russos participavam dos cânticos da missa.

A parte cultural russa era suprida por Olga Leontievna, que lia para os garotos lendas e contos-de-fadas russos, ensinava-lhes canções russas tradicionais e infantis e também cantos religiosos do país natal. As refeições eram preparadas por Maria Sergueevna Popov, mãe do aluno Veniamin Popov e que foi por muitos anos a cozinheira do Instituto São Vladimir.

Assim que soube da vinda desses meninos para a cidade, a população ituana prontamente se solidarizou. Algumas pessoas ajudavam doando alimentos, roupas e calçados, e outras, como o tio paterno de Luís Roberto, Nicolino de Francisco, com a adaptação desses garotos russos à nossa cultura e linguagem.

“Ele me contava que fazia placas com desenhos – ele era muito bom desenhista – de coisas do cotidiano e como se pronunciava aquela palavra para que eles pudessem ir se comunicando com o restante da cidade”, conta o historiador. Segundo o site “Recanto Russo”, os já extintos cinemas Marrocos e Sabará deixavam os garotos do Instituto São Vladimir assistir gratuitamente aos filmes da matinê aos sábados e domingos.

E o futebol também estava presente no cotidiano desses garotos russos em Itu. Ainda de acordo com o “Recanto Russo”, todas as tardes Ivan Antonovitch levava os meninos a um campo de várzea localizado à beira da estrada férrea – próximo ao atual Poupatempo. No local, os jovens também brincavam de “mocinhos e bandidos” e diversos outros jogos.

Meninos russos em Itu: uma história de acolhimento e fraternidade

O fim

A estada dos garotos russos em Itu durou três anos. Em dezembro de 1957, o Instituto São Vladimir parou de operar na Igreja do Bom Jesus e se mudou para Santos, onde funcionou até 1968. No ano seguinte, foi para a capital paulista onde ficou até 1980. “O Instituto ainda existe hoje, no bairro do Ipiranga, no Colégio São Francisco Xavier”, conta o historiador Luís Roberto de Francisco.

O tempo passou, mas ficaram as lembranças de um tempo em que Itu recebeu com carinho esses garotos vindos de um país com cultura tão diferente da nossa. A partir de 8 de junho, teremos mais uma oportunidade de acolher bem um grupo de visitantes russos. Só que desta vez não serão meninos desamparados, mas sim jogadores em busca de uma boa campanha no maior evento do mundo. Vamos fazer bonito, pois, como todos devem saber, a próxima Copa do Mundo será na Rússia.

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