Opinião

Publicado: Quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Gatunos impunes da Paisagem

por Carlos H. Knapp.

Crédito: Arquivo Pessoal Gatunos impunes da Paisagem
É lá que a moto-serra trabalha furiosamente, já derrubou e fatiou metade das altas árvores.

O ruído de uma moto-serra à certa distância pode ser confundido com o zumbido de um marimbondo voando por perto. Mas infelizmente é mesmo uma moto-serra que ouço todos os dias, há algumas semanas. De tão dolorosa que é, sua impressão já está marcada em mim. Há momentos em que a máquina está parada mas eu a ouço do mesmo jeito.

Diante do meu terraço eu tinha um bucólico pasto com vaquinhas, e atrás do pasto um frondoso bosque. É lá que a moto-serra trabalha furiosamente, já derrubou e fatiou metade das altas árvores. O arvoredo que há poucas semanas ainda era denso, espesso, está transparente. Dentro de dias não haverá nem sombra dele.

Contemplei impotente a retirada das toras – 17 caminhões carregados - e então fui informado de que se trata de uma devastação furtiva, apropriação indébita de uma propriedade pública, pois a área pertence à Prefeitura de Itu. Liguei para Polícia Ambiental. Quando declarei que as árvores são eucaliptos, me disseram que não há restrição para a derrubada dessas árvores.
- Mas se trata de uma invasão, de um furto! – exclamei.
- Nesse caso cabe à vitima reclamar.

Não sei de quem foi essa espantosa resposta. Pode ter sido até de um pessoa não autorizada que passava por perto e atendeu o telefone.

No Parque do Ibirapuera, em São Paulo, existem numerosos eucaliptos. Nenhum delinquente se atreve a ir lá, derrubar as árvores e vendê-las a uma fábrica de papel. O Ibirapuera é um monumento público. Um pé de eucalipto pode valer apenas como fonte de celulose, mas terá outro valor ao fazer parte de um todo que é patrimônio público. Quanto à exclusividade do direito de reclamar, sei que gritarei por socorro caso surpreenda alguém esfaqueando alguém, sem esperar que a própria vítima o faça.

O bosque que está sendo abatido na minha frente não pertence a um parque, mas compõe uma paisagem nesta “estância turística” tão carente de paisagens. Vale por esta função, faz parte de um monumento natural e é propriedade pública, isto é, de todos nós.

Chegará talvez o dia em que serão intocáveis certas belezas naturais ou artificiais, mesmo que seja apenas uma pedra, uma jabuticabeira, uma cascata, uma lagoa, um caminho - pequenos monumentos visuais situados dentro ou fora de uma propriedade privada. Teremos assegurado o direito de avistá-las nem que tenhamos que pagar um imposto. Um direito à paisagem que talvez já exista em países desenvolvidos.
 

Carlos H. Knapp vive atualmente em Itu, é escritor e autor dos livros "Minha Vida de Terrorista" e "O Sumiço do Mundo". Dentre muitas atividades já desenvolvidas, foi diretor da Radiobrás, Adjunto do ministro Sérgio Amaral no governo de FHC e Diretor da Fundação Pró Sangue Hemocentro de São Paulo.

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