Opinião

Publicado: Quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Como não ser excludente

por Monica Baliu.

Crédito: Arquivo Pessoal Como não ser excludente
Vejo escolas que se dizem inclusivas, mas que fazem algo conhecido como expulsão branca, criando situações tão desagradáveis e constrangedoras que os pais acabam tirando as crianças da escola.

Talvez por estar envolvida no assunto devido à minha participação no Anônimos no Divã, tenho visto com mais frequência algumas manifestações na Internet, seja em forma de post, quadrinhos ou vídeos, ressaltando o fato de crianças estarem tomando medicamentos psiquiátricos sem necessidade.

É um movimento interessante, pois questiona a necessidade de categorizar todas aquelas crianças que fogem a normalidade e que infelizmente são vistas como problemáticas. Quando isso acontece, vemos crianças sendo diagnosticadas como doentes e tomando medicamentos de forma inapropriada e excessiva, situações que podem acarretar sérios problemas de saúde no futuro. Essa mesma discussão se amplia provocando reflexões de como os pais estão educando seus filhos e o papel da escola na vida dessas crianças. É um movimento bastante saudável. Por outro lado, é um movimento perigoso. Perigoso porque passa uma impressão de que não existem crianças que precisam desses medicamentos. Ou seja, nos leva a pensar que o fato de haverem crianças sendo medicadas sem necessidade exclui a realidade inversa, a de que existem crianças com doenças mentais.

O tema é tão delicado que mesmo eu, enquanto escrevia, hesitei perante a combinação das palavras “crianças com doenças mentais” como se as estivesse rotulando com algo muito pesado. Porém, infelizmente, essa situação existe.

Há sim crianças com doenças como transtorno bipolar, personalidade de oposição, Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), anorexia, bulimia, depressãoentre outras doenças. E essas crianças talvez precisem de medicamentos para conseguirem conviver com as pessoas e realizarem suas atividades diárias.

Conheço um menino com TDAH que contou que quando toma Ritalina (metilfenidato) “o mundo se acalma e ele consegue ouvir as pessoas”. Isso permite que ele consiga ouvir seu professor, seus colegas, estudar e brincar de forma plena.

Assisti recentemente a um vídeo que critica esses rótulos psiquiátricos. Ele é muito bem feito. Em um primeiro momento apresenta crianças com diversas etiquetas contendo nomes de doenças nas suas camisetas. E essa parte está sem som e com cores bem apagadas. Na medida em que as crianças descolam esses rótulos das suas roupas, eles são substituídos por palavras como Humanitária, Líder, Ativista, Inventor, Revolucionário ou Filósofo. Nessa parte entra uma música alegre e as cores ficam mais vívidas. Ao final do vídeo aparece uma frase do tipo “Pare com a rotulação psiquiátrica em crianças”. Logo que o vídeo termina ficamos com uma sensação de revolta, indignados com essa situação, com vontade de levantar essa bandeira e sair lutando pelo fim da medicalização.

Mas aí me lembro de uma realidade muito sofrida que tenho entrado em contato diariamente. São pais e familiares de crianças que precisam de ajuda, crianças que ou se machucam, estão deprimidas, têm surtos, ou ainda se afastam da convivência com os amigos, não vão à escola e têm medo.

Esses pais ficam desesperados, querendo ajudar seus filhos e não sabem como ou onde encontrá-la. Ficam com receio dos filhos serem estigmatizados na escola e muitas vezes nem informam essas instituições que suas crianças precisam de um olhar diferenciado para poderem se sentir verdadeiramente inseridas no contexto escolar. Alguns não contam para ninguém, nem para seus amigos mais íntimos – sentem vergonha e sofrem sozinhos.

Vejo escolas que se dizem inclusivas, mas que fazem algo conhecido como “expulsão branca”, criando situações tão desagradáveis e constrangedoras que os pais acabam tirando as crianças da escola. Saem, além de tristes, se sentindo extremamente culpados pelos filhos serem quem são.

Há uma falta absurda de infraestrutura e políticas públicas. Muitas vezes essas crianças e seus familiares precisam se submeter a “filas” de espera que podem durar anos até serem atendidos. Além de lidarem com profissionais despreparados para atender o público infanto-juvenil. É uma pena que não tenhamos nenhum vídeo bonito mostrando isso. Aliás, gostaria de saber como um vídeo pode ser bonito mostrando isso.

Precisamos nos informar mais sobre essa realidade também, levantarmos essa bandeira e atender esses dois polos sem sermos excludentes: ficarmos indignados pelas crianças que são medicadas de forma inapropriada e com aquelas crianças que precisam e não recebem não só a medicação, mas tratamento correto. Na maioria, tratamentos que exigem equipe multidisciplinar: psicólogos, terapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, entre outros. Uma coisa não impede a outra. Como também não há impedimento para que uma criança que realmente tenha um transtorno bipolar seja um artista, ou com déficit de atenção seja inventor, ou líder, ativista, ou o que mais possam desejar ser. Eles conseguirão desde que recebam o tratamento adequado, seja ele qual for, com ou sem medicamento.

Precisamos olhar essa questão sobre tratamentos e diagnósticos psiquiátricos com isenção e distanciamento sem polarizar a questão, sem sermos excludentes. Só assim garantiremos que as crianças sejam, sobretudo, crianças.

Monica Baliu é bióloga com mestrado em Transdisciplinaridade e Valores Humanos na área de Educação e tem mais de 17 anos de experiência na área de treinamento e gestão de pessoas. É uma das idealizadoras do projeto Anônimos no Divã um portal sobre questões psiquiátricas na infãncia e adolescência.

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