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Publicado: Quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

Os supermercados da educação

"Pai e filho foram ao zoológico. Na bilheteria, havia um cartaz informando que aposentados e crianças menores de 10 anos pagavam meia entrada.
O pai dirige-se ao balcão:
- Duas inteiras, por favor.
Atrás do balcão, intrigado, o homem pergunta:
- Quantos anos tem o seu filho?
E o pai:
- Completou 10 no mês passado.
O homem destaca os tickets e recebe o dinheiro. Mas não se contém e diz:
- Não entendo. O seu filho acaba de completar 10 anos. O senhor poderia muito bem dizer que ele tem 9 anos e pagar meia entrada. Ninguém saberia.
E o pai, tranqüilo em sua sabedoria, responde:
- Meu filho saberia."

Ouvi essa história há muito tempo, e ainda hoje ela me faz pensar nos valores que estão sendo transmitidos às nossas crianças nos dias de hoje. Principalmente na época das matrículas escolares, quando as escolas se digladiam na busca por novos alunos.
Assusta-me perceber como, cada vez mais, a educação vem sendo tratada como uma mercadoria.
Não é raro nos depararmos com anúncios escolares do tipo:
"promoção do mês"
"pacote de vantagens"
"traga seus amigos e ganhe descontos"
Afinal, onde estamos, em uma escola ou em um supermercado? Com que direito algumas instituições passaram a vender "educação" como se fosse sanduíche?

Certa vez, li algo sobre uma instituição escolar que estava sorteando uma passagem para Nova York para aqueles que trouxessem novos alunos.
Nesta semana, li algo semelhante sobre as escolas de Portugal:
"No mundo capitalista em que vivemos, onde tudo se transforma em mercadoria, onde tudo se compra e se vende, o ensino é visto por alguns como apenas mais um negócio. (...) Esta gente não entende a função da escola, a sua especificidade, nem entende os professores e a profissão docente. Gosta de comércio e de fábricas, está seduzida pela cultura e a prática do negócio. Pensa que o moderno é transformar a escola em minimercados de ensino."

Supõe-se que a educação de qualidade tem um custo que foi definido com base nos gastos reais da instituição. Mas, se assim é, como muitas instituições, após definir o valor dos seus serviços, conseguem fazer com que ele varie tanto e por motivos tão diversos? A meu ver, das duas uma: ou o valor foi aumentado consideravelmente, de forma que possa ser alterado conforme as estratégias de venda que interessam no momento, ou então foi estipulado aleatoriamente, o que acarretará no comprometimento da qualidade do serviço oferecido.
De qualquer forma, acredito que os critérios adotados para os benefícios concedidos devem ser claros, éticos e honestos. Existem inúmeros exemplos: concurso de bolsas, desempenho escolar, número de filhos que a família possui, há quanto tempo freqüentam a escola, o fato de morarem fora da cidade, dentre muitos outros.
O que não acho moralmente correto é tratar as crianças como peças de um leilão, pois corremos o risco de transformar a educação, tão importante, num simples jogo de "Quem dá mais?".

Joguemos limpo.
Que cada escola coloque suas cartas na mesa, ofereça seus serviços com ética e responsabilidade, e cobre por eles o preço justo, calculado com base em dados e não em estratégias de venda.
A partir daí, poderemos todos começar a direcionar nossas ações para o que realmente interessa, sem perder tempo com artimanhas, e ter a consciência tranqüila por estarmos desempenhando nosso verdadeiro papel.

A escola perfeita não existe. Existe aquela que faz com que a família, e principalmente a criança, se sinta acolhida, como se fosse uma extensão do seu lar. Existe aquela cuja filosofia é semelhante à familiar, e que irá trabalhar os mesmos valores morais, éticos e culturais que são trabalhados em casa.
O valor a ser pago por isso é importante, sem dúvida, mas os princípios, a integridade moral, o respeito pela criança como indivíduo e o carinho e acolhimento que se oferece a ela são os verdadeiros detalhes que realmente devem ser levados em consideração.
Detalhes que, principalmente a longo prazo, farão toda a diferença.

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