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Publicado: Domingo, 11 de dezembro de 2016

Veículo

Veículo

É uma coisa bem esquisita, mas até hoje não sabemos certos porquês em torno de boa parte de coisas que acontecem com a gente.

Certamente ficamos presos a essas fases em que tudo parece embotado, ou encalacrado. Duas semanas, talvez um mês, e todo o planejamento, e os bons sonhos, vão para a sarjeta.

Isso sem contar com as corriqueiras quebras-de-confiança: algo que era bem simples e, sabe-se lá por qual motivo, as pessoas ao redor complicam de um jeito insano e enlouquecedor.

E dá-lhe passar o betume revelador: assim que o óleo de cozinha limpa os excessos, lá estão os craquelados denunciando que certa peça não era, assim, tão íntegra quanto parecia.

Passar por uma fase como betume não é nada fácil. Longas amizades, aquelas de três, quatro décadas, agradecem. Porém, a vida de quem é veículo de algum tipo de revelação não é nada boa. Porque presume-se que o veículo para que alguém, mais a frente, não se estrepe tenha de passar por dores perfeitamente desnecessárias.

Id est, o sofrimento de um serve para a abertura de olhos do outro. Particularmente, detesto a ideia, mas... quando isso acontece com nossas próprias vidas, não há muito como evitar.

Se há algo que desaconselho nesse mundo é discutir os desígnios de Deus: não temos tamanho sequer e capacidade para uma plena compreensão do porquê algo é o que é. Temos indícios, mas nada que alivie em grande parte, e de fato, as dores que sentimos desses inúmeros dissabores que nossas vidinhas proporcionam.

Algo assim: a fase é essa, somos veículos de revelação para o alheio, e pronto! Sem maiores debates de detalhes que eventualmente nos confortariam.

Como dito há pouco, fases pavorosas, terríveis, onde empregos, interações, amores, relacionamentos, trabalhos, sonhos e perspectivas não duram um par de semanas. Com sorte, uns 30 dias. Só que por trás desse infortúnio, a revelação daquilo que estava oculto: um velho embuste socialmente acolhido cujos danos são irreparáveis por via de regra.

Como tudo na vida, para o bem e para o mal, não dura sempre, a máscara cai e o impostor se revela. Acusamos o golpe de mais uma frustração, é fato. Contudo, nossa queda particular é luz para os caminhos de quem tanto amamos, por mais insólito que isso possa parecer. A impostura não prevalecerá, ainda que isso custe o amargo revés de ver nossa própria vida emperrada.

Ninguém, absolutamente ninguém, teria o direito da interferência. Contudo, elas são fatos de um gerenciamento macabro ao qual estamos todos, sem exceção, submetidos. Equilíbrio complexo entre ser pedra e telhado-de-vidro concomitantemente. Uma hora, acertamos. Em outra, somos acertados. Segurar o tranco em ambas é que seria a grande arte do barulho. 

Em qualquer circunstância, um desalento: uma forte impressão de que não há nada que muito nos conforte.

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