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Publicado: Domingo, 27 de novembro de 2016

Ciclo: siris, caranguejos e marés

Ciclo: siris, caranguejos e marés
Belfast, capital da Irlanda do Norte, e seu querido Rio Lagan

No fundo, no fundo, não sabemos muito o que dizer.

Houve, em algum ponto perdido, um convívio com a escuridão. Um trecho desse longo itinerário (ou não!) em trevas. Como já diziam os antigos que não há bem que sempre dure como não há mal que não se acabe, um dia, de verdade, tudo chega ao fim.

Até as dores...

Quem vive em beira de rio, assim como os, que como eu, moram no litoral, sabe da importância das águas.

Mesmo porque boa parte de nossa fisiologia conta com líquidos. Não dá para se pensar em vida sem contar com alguma formulação em torno do H²O. A água que, um dia, nos destruiu é a mesma que nos banha. Em algum grau, a água serve para lavar tudo.

Presenciei, pessoalmente, o relacionamento bastante estreito que os britânicos possuem com seus rios: os londrinos com o Tâmisa, Belfast com o Lagan. Há moradores na capital norte-irlandesa que chamam o rio (Lagan) de amigo.

Estranho?! Pode ser, mas tremendamente normal em qualquer cidade cortada por um rio.

No caso, até canal (ou rio canalizado) serve! Em Belo Horizonte, o Arrudas foi agredido, detonado, quase vilipendiado. Uma tristeza de vê-lo naquele jeito, inclusive encoberto na região do hipercentro da capital mineira. Quando em Londres, recordo-me sempre de uma noite de insônia ao lado do Tâmisa que foi de assustar: o danado estava num humor daqueles! Já nas primeiras horas da manhã, roncava numa cheia de dar medo.

Em cidades litorâneas, há certa fauna que sempre indica quando a maré enche e vaza. Com certa atenção, o movimento dos caranguejos no mangue pode indicar a chegada de temporais, trovoadas e afins.

Desconectados da natureza, padecemos de melhor leitura: a melhor leitura de tudo.

O grande discurso nos dias de hoje é o do não-julgamento. Inclusive porque bons julgamentos demandariam sempre sabermos de tudo, ou quase tudo, ou tudo aquilo que boa parte das pessoas não conhecem (ainda!).

Sem isso, fica complexo. O julgar fica rasteiro e a injustiça se avizinha. Achamos que sabemos, mas como realmente sabemos do que for se não somos sequer capazes de ler as mensagens de siris e caranguejos?!

Nem tudo o que reluz é ouro, nem tudo o que balança, cai. Pode até ser azul, mas talvez não seja o céu. Achamos que sabemos. #sqn. Podemos até desejar o mal àqueles que nos ofenderam em algum momento, de alguma maneira. De repente, esse mal desejado para o outro até já está acontecendo, mas em trajes tão sutis, tão sutis, que nossos olhos não enxergam.

O que faz alguém agir de uma determinada maneira realmente não justifica a continuidade de qualquer expediente espúrio quase sempre nocivo à vida de boa parte das pessoas. Até entendemos o porquê tal coisa chegou no pé em que está, mas isso não significa apoio. Pelo contrário, isso auxiliaria uma ajuda à transformação, caso haja interesse.  Entender não é referendar.

É possível entender porque o cheque está em branco. Assiná-lo, nessa condição, é burrice e uma tremenda vontade de sentir os mais amargos dissabores bancários num futuro próximo ou não. Contudo, se há alguma inclinação a algum julgamento, seria necessário um conhecimento bom e completo das coisas, e isso defintivamente não sabemos.

Se somos incapazes de olhar para o mar e ver se a maré enche ou vaza, o que dirá do óbvio e do sutil?!

Se nossos momentos de felicidade já foram embora (e ficamos tremendamente tristes por conta disso!), nossos períodos de dores também ganham a mesma sorte. Por incrível que pareça, um dia, anos de sofrimento desaparecem de nossa frente.

E por que diabos sentimos, então, tanta falta das trevas?!

Porque somos imperfeitos. Nossa imperfeição também é parte de nossa forja. Não somos construídos somente nesses reluzentes períodos de lustro, mas igualmente pelas cagadas homéricas que tanto nos envergonham.

E quando o ciclo-do-mal vai embora, sim... sentimos falta! Não do sofrimento causado (claro!), mas porque parte da nossa forja foi feita dentro desse período. É uma forma estranha de construir si mesmo(a), concordo, mas há certa didática em erros e tropeços que muito desconhecemos. Só há transformação na dor e quando essa dor vai embora talvez nos sentimos desamparados numa ampla perspectiva de ausência de transformação.

Quem sabe, o lado bom da coisa seja o que chamamos de paz. Se ausência de dor não nos empurra às necessárias transformações, podemos, quem sabe, saborear um tantinho de paz, o que, convenhamos, não é nada mal.

Já fui aconselhado a ficar em silêncio. Nego-me tal propositura. Entendo a orientação: pelo silêncio, podemos, finalmente, estar em contato com nós mesmos e eliminar de vez a polifonia. Por fim, sintonizar o novo ciclo que se inicia.

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