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Publicado: Sábado, 27 de fevereiro de 2016

Uma evidente parecença

Uma evidente parecença

Crônicas deste teor, familiares, já foram produzidas ao longo do tempo e, esta de agora, conquanto noutros termos, confirma ser inevitável não retomar essas lembranças peculiares e inesquecíveis.

O espírito e o fulcro de referências dessa ordem, declaradas como agradável recordação, já terão sido vistas pelos que acompanham esta coluna semanal.

No corredor lá de casa, tenho as fotos de meus filhos.

Menino e menina, esta um ano mais nova. Espaçados os demais, eis que após quatro anos, outra menina e, passados mais quatro, outro menino.  Bem mais tarde, a caçula. Cinco pois ao todo. Adultos e casados, salvo o quarto deles, inesquecível e hoje no colo do Criador.

Eu os contemplo, lindos todos no relicário das molduras, prodígio e benesse divina por serem de pai que, seja confessado, de charme externo nada tem.

Do encanto da prole, disso me orgulho, verdadeira dádiva, conquanto beleza não se leve à mesa.

E justamente por vê-los em fotos nessa passagem obrigatória de locomoção no interior da residência, o orgulho confessado enche a alma.

Sim, verdade e não me pejo de dizê-lo de público. Nenhum rubor na minha face por causa dessa assertiva. Um fato.

Na vida contudo e agora em idade avançada, percebo que deveria ter estado presente muito mais do que o tenha feito, - e não fora pouco não – em função das preocupações com uma prole numerosa, que nem sempre enseja esse natural intento.

Pelo contrário, das incontáveis passagens desse caro convívio, são recordados entretenimentos muitos, como o de brincarmos de “Circo Giglio” no chão da sala. Deitado, eles enfileirados, eu os levantava um de cada vez com as pernas esticadas para o mais alto possível. Doutra feita eram lutas de todos contra um, vedados socos e mordidas. Autêntica folia.

Essas ocorrências e outras tantas não serão jamais esquecidas.

Apraz-me então sobremaneira tal recordação.

De todo modo, há um porém nessa história, quem sabe até mais comum do que pareça em muitas famílias.

Refiro-me às atividades profissionais a que me dediquei na maior parte de minha vida, com pouca sobra de tempo livre, mas que por outro lado possibilitaram manter razoável padrão de conforto mínimo e de assistência aos meus. Além do que, nesses anos todos, encaixou-se simultaneamente o curso de advocacia. Quantas horas poderiam então sobrar se, aos sábados e domingos, passara a me debruçar sobre os livros. Nesse período, os folguedos a que me referi aconteciam, quando dava, mais nos finais de semana.

Há que se falar também na preciosa aventura jornalística, de rigorosa periodicidade semanal, um deleite e realização pessoal que já ultrapassou bem mais de meio século.

Enfim e sobretudo, num contexto geral, eventuais reveses não denigrem o todo de uma vida, até porque em essência nunca nada estará perdido, como também não se consegue acertar sempre e em tudo.

Até este ponto falei como pai.

Hoje, na plenitude da idade como avô de nove netos e com perspectiva de me tornar bisavô daqui a alguns meses, declaro solenemente que finalmente fui à forra.

Ah, que delícia, então no gozo da aposentadoria, quando um ou outro dos netos, em certa fase, me ligava. Com uma voz quase chorosa e plena do mais puro dengo, alguém deles dizia:

- “Vô, dá para o senhor dormir em casa hoje?”

De imediato sinalizava para minha esposa que já se habituara a tais “ordens” e simplesmente informava que passaria a noite fora, lá, a contar histórias, colchões no chão, porque netos e neta vinham todos para um mesmo quarto. Nessas ocasiões, se revezavam, para ver de quem seria a vez de estar ao lado do avô. Interessante que uma das histórias pegou de vez, apesar de surgida no mais tresloucado dos improvisos. Criara todo um enredo doido em torno de uma polenta. Pode? E fez sucesso.

Não se explica a quem não o seja, a qualidade da extrema comunicabilidade  dos avós para com os netos, porque a qualidade desse afeto é o ápice da realização pessoal que, sem prejuízo nem demérito do amor pelos filhos, se centuplica em relação aos pequeninos.

Deles, na sua ternura e meiguice, a constatação inefável de notória parecença com os anjos.

Por isso tudo e muito mais, Deus seja louvado!

Amem!

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