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Publicado: Quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Um filho gay: dores e amores

Um filho gay: dores e amores
Percebi que estava diante uma escolha: desconstruir as verdades de toda uma vida ou perder o filho

Desde que meu filho revelou sua orientação sexual, tenho pensado em escrever uma série de crônicas abordando o tema.  Foram muitas as tentativas. No começo, temia a exposição e consequentemente a opinião dos outros. Dei um tempo.

E o tempo, esse senhor que sabe esperar, trouxe-me enfim a segurança, a tranquilidade e o equilíbrio necessários para então assumir essa função, que julgo social.

A escrita, quando publicada, se transforma num bem intangível. Nenhum escritor consegue prever o alcance de suas palavras. E elas chegam longe... Mais longe!

Não fomos criados para ser pai ou mãe de filhos gays.  Na gravidez, durante os meses de gestação, pensamos e projetamos diversas possibilidades. Chegamos inclusive a cogitar problemas físicos e mentais na criança a nascer, mas nunca e jamais, pelos menos na minha geração, pensamos no nascimento de um filho ou uma filha homossexual. 

Por isso, ao descobrir que o meu primogênito é gay, fiquei inconformada.  No manual de como ser mãe - por mim estudado desde menina -, não constava o capítulo de que o filho poderia nascer gay.

Entrei em desespero.

Ignorante, minhas expectativas e respostas comportamentais se davam de forma binária: homem gosta de mulher; mulher gosta de homem, e ponto-final.  Tudo o que pudesse contrariar essa forma de organização parecia, para mim, aberração. Anomalia. Doença.

Pensando dessa forma, percebi que estava diante uma escolha: desconstruir as verdades internalizadas de toda uma vida ou perder o filho.

E foi com esse sentimento que iniciei, quando já achava que não tinha mais nada a começar, um longo e difícil processo de desconstrução.  Desconstruir as verdades é virar o sentimento do avesso. E “o sentimento quando vira do avesso é uma flor maligna”, como diz Lya Luft.

Por isso mesmo, tudo isso não foi, e não é nada fácil.  Até hoje me deparo com questões da homossexualidade do meu filho que me viram do avesso. Uma simples e inocente troca de afeto dele com seu namorado, por exemplo, em algumas situações pode me tocar. Prova de que as verdades internalizadas têm raízes profundas, nada fáceis de arrancar. Mas a flor maligna mesmo, que contamina meu sentimento com seu perfume fedorento, é a homofobia social. 

Ouvir comentários agressivos, piadas e risadinhas maldosas sobre homossexualidade é, para as mães de gays, um câncer incurável.  E é também a fórmula para semear verdades de raízes profundas. Uma criança que cresce ouvindo, em encontros familiares e sociais, comentários preconceituosos aos gays, na adolescência - caso se descubra homossexual - terá muito mais dificuldade em se aceitar, porque internalizou de forma inconsciente o quanto a homossexualidade é errada. 

Aliás, se as dores fossem mensuráveis, maior do que a dor causada pela homofobia social é presenciar o sofrimento do seu filho gay em processo de autoaceitação. Mas esse será assunto para a próxima crônica.

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