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Publicado: Quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Escapando da humanização

Escapando da humanização
Ilustração/Internet

De nariz arrebitado, orelhas empinadas, pêlo macio, exalando a fragrância floral frutada suave de uma linha clássica de perfumes para animais, a pequena Lulu da Pomerânia aguardava, quase que imóvel, pelo seu novo presente: uma linda coleira de courino rosa pink, com florzinhas de strass e pingente folheado a ouro.

Super elegante, agora ela já podia entrar na bolsa de passeio aveludada, também na cor pink, que sua dona comprou um dia antes só para combinar com sua nova coleira. É hora do passeio! Ou melhor, da ida quase diária ao salão de beleza.

Deitada no pequeno espaço da luxuosa bolsa, apenas com a cabecinha para fora, a Lulu da Pomerânia avistava tudo de cima. Sentia a brisa passar (bom ventinho!), avistava milhares de pessoas (da cintura para baixo), ouvia latidos perdidos (o que estão dizendo?) e trechos de conversas apressadas (não, ele não merece outra chance, viu!). Encontrava com outros cãezinhos, também dentro das bolsas de suas donas (gostei do novo laço!), paquerava o Buldogue do vizinho (e daí se ele é maior?), torcia para o cabeleireiro tropeçar e se calar de vergonha (agora vai!) e no fim da tarde, imaginava que a salada no prato da dona se transformaria em um hambúrguer gigante (vem pra mim, vem!).

No dia seguinte, a moda era o amarelo. Laçinhos amarelos, roupinha amarela, coleira amarela, bolsa amarela e o perfume.... o de essência de girassol combina. Desta vez o salão era animal. Antes de entrar na grande sala decorada, uma pausa para receber elogios da recepcionista (aff, você já me disse isso na semana passada querida!). Em seguida, a Lulu é cuidadosamente colocada dentro da água mineral com sais, para alguns minutos de ofurô.

Quando está quase dormindo, é envolta em uma toalha de puro algodão e logo começa a receber massagens. O cheirinho agora era de avelã, tratamento de luxo para os pêlos. Puxa daqui, estica ali e logo surgem trancinhas coloridas. Nem bem consegue esticar as perninhas, já é empurrada de volta pra bolsa da dona.

Chega!

Ao ganhar a calçada surge um plano. No primeiro latido, incomum para ela, a dona pára imediatamente assustada. Um grande pulo e a Lulu da Pomerânia sai correndo, driblando as centenas de pernas em sua frente. Aos gritos a dona a chama de volta... sem sucesso ensaia uma corrida, mas seu scarpam salto agulha diminui, e muito, sua velocidade. Enquanto isso, a pequena cachorrinha sente a brisa passar cada vez mais rápido, suas patinhas sentem o calor do chão e seus laçinhos se soltam, deixando um pequeno rastro pelo caminho.

Ao escutar o primeiro latido, encontra um cãozinho de porte médio rolando na grama do parque. Ela se aproxima, observa por alguns segundos e também começa a rolar. Era tão divertido! Logo suas patas também quiseram arranhar aquele mato verdinho, sua gargantinha coçou e ela latia alto, o galho seco virou um brinquedo, o papel jogado ao chão uma bolinha, e pela primeira vez, ela sentiu o que era ser um cão.

Mas a experiência não durou muito. Levantando as pernas de uma forma engraçada, como se a grama fosse agarrá-la, a dona surgiu chamando por ela. Após algumas sacodidas e reclamações sobre seu estado "imundo", a Lulu volta para a bolsa. Ao se afastar do novo amiguinho, seus olhos brilhando se despediram daquele animalzinho de raça desconhecida, sendo levados pelo colo de quem não entendeu nada do maravilhoso momento de descoberta que aconteceu ali. Uma pequena bronca e pronto, estavam as duas novamente no grande salão de beleza animal. E a rotina daquela pobre, ou melhor, rica cachorrinha seguiu sendo, novamente, humanizada.

E a moda agora é a cor marrom (ninguém merece!)...

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