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Publicado: Sábado, 28 de fevereiro de 2015

Morra, mata, morra

Morra, mata, morra

 Pra dar jeito nessa mosquitada, que bota a gente de cama, só mesmo a golpe de machado. “Tem é que deitar abaixo essa floresta dos diabos”, já dizia o sábio Firmino, meu bisavô, com muita propriedade. Aliás, propriedade é o que não faltava para o velho. Quando morreu de maleita, deixou para meu avô, pai de minha mãe, mais de 17 fazendas, duas delas com os seringais mais produtivos da região norte.

Com um pelotãozinho de dúzia e meia de agentes do Ibama para tomar conta desses milhões de hectares, fica fácil depenar a vegetação nativa. A imprensa do sul maravilha diz que, só em 2014, a área desmatada foi equivalente a 24 mil campos de futebol. Do lado bom da faxina ninguém fala: sabe lá quantas espécies de insetos e outras pragas peçonhentas foram felizmente dizimadas com essa assepsia providencial?

Gente come carne. Gente que não come carne, come soja. Pois eu vendo a carne pros carnívoros e a soja pros naturebas. Mas o grosso mesmo da soja vai para o bucho dos bois. A conta é essa – metade do descampado para o gado, a outra metade para produzir a comida dele.

Conheço o desastre disso, sei bem o estrago que faz. Faltando umidade e evaporação aqui nas bandas borrachentas vai faltar chuva lá embaixo, no Sudeste. Mas aí eu ganho dinheiro de novo: tem autoridade em Manaus propondo a implantação de aquadutos para abastecer São Paulo, Rio e Minas com a água que transborda por aqui. O que o messiânico salvador da pátria não sabe é que essa tubular muralha da china vai ter que passar em cima das minhas terras, que vão ser desapropriadas. Com a indenização, que não vai ser pouca, eu compro mais terra a preço de banana e juro subsidiado pelo governo. Ladrãozinho como ele só, pra gente como eu esse governo é mais que bom. É quase um sócio.

Essas novas terras serão de mata cerrada, com madeira de lei pra exportar. Um ano de motosserra comendo solta e eu garanto: não sobra um cipó pra contar a história. Com a dinheirama das toras eu encho de gado o que era floresta imprestável. Caso o pasto não seja lá essas coisas, as minhas fazendas de soja vão dar conta da ração. E que seja grande a flatulência do rebanho - quanto mais metano no ar maior o efeito estufa, atazanando a vida do povo lá no sul, que vai precisar ainda mais da água que o papai aqui vai mandar pelo aquaduto.

Se a farinha é pouca, o meu pirão primeiro. Mas nem esquento a cabeça porque a farinha por enquanto é muita, e eu mereço que seja. O meu pirão eu quero com sustança, bem servido mesmo, pra comer, repetir e arrotar. Que dê e sobre para mim e para os netos dos meus netos. O resto eu quero que se dane.

O aumento vertiginoso do desmatamento da Amazônia é mais um resultado catastrófico do desgoverno que aí está. A continuar esse quadro, não é descabida a possibilidade da perda de soberania e a intervenção de organismos internacionais para conter a devastação. Entendo que um país só merece ser soberano quando demonstra responsabilidade e respeito pelo que lhe pertence. Não é esse absolutamente o caso.

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