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Publicado: Segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Psiu!

Li esta semana, não me lembro em qual jornal, uma notícia policial. Dizia que a fiscalização do serviço PSIU multou uma igreja de São Paulo porque repicou seus sinos durante segundos além de um minuto preciso, que é o limite do tempo permitido. A igreja era reincidente, já fora advertida duas vezes pelos fiscais: o barulho dos sinos estava conforme o nível de decibéis fixado, mas vinha se prolongando além do tempo regulamentar.

A notícia dizia que a vigilância do PSIU está muito atenta para reprimir o barulho dos sinos, zelando assim pelos ouvidos dos cidadãos paulistanos. Por isso, não só a legislação do PSIU limita o tempo para a produção desse barulho, como estabelece horários: os sinos das paróquias podem fazer barulho para convocar os fieis às missas celebradas até às dez da manhã, mas não depois disso. À tarde, o barulho dos sinos só é tolerado entre 18 e 19 horas, quando são rezadas as vésperas.

Reconheço a dificuldade de impor tamanho zelo pelo sossego sonoro do cidadão a inúmeras outras fontes de barulho porque, ao contrário da convocação às missas, não obedecem a uma rotina de horários. São imprevisíveis as festas de arromba, as raves, as comemorações com fogos e os conflitos de torcidas, os desfiles e as manifestações públicas, os carros de propaganda sonora, sem falar na capacidade dos congestionamentos em produzir ensurdecedores buzinaços.

Desde a madrugada, a cidade inteira emite um ronco assustador. Não há como fiscalizar nem multar barulhos anônimos não programados. Sobram para a repressão as indefesas igrejas e seus sinos, sufocadas pela massa dos edifícios sempre muito mais volumosos. Conheço o caso do Convento do Carmo e sua majestosa basílica, à rua Martiniano de Carvalho, em pleno centro da cidade. Teve que silenciar seus sinos por força da reclamação de uma moradora que vive num sobradinho em frente. O convento foi edificado numa chácara de flores muitas décadas antes do sobradinho; suas atividades não perturbam, pelo contrario caracterizam a vizinhança. Se em seu lugar existisse um grande hospital ou um quartel dos bombeiros, essa moradora rabugenta teria sucesso em reclamar das sirenes soando a qualquer hora do dia ou da noite?

Os burocratas do Psiu se referem ao barulho dos sinos e compreendo que possam ser ignorantes. Já me é mais difícil entender porque os redatores do jornal adotam o mesmo vocabulário. Barulho? Sinos e campanários são instrumentos musicais que produzem sons harmônicos, sons delicados, solenes, festivos ou pesarosos que nos avisam e emocionam marcando momentos da nossa vida e dos nossos tempos. Pertencem à tradição e à cultura. A notícia de que a Segunda Guerra Mundial terminara chegou aos ouvidos do mundo inteiro pelo incessante repicar dos sinos das igrejas de todas as cidades, das aldeias às grandes metrópoles. Os sinos de toda São Paulo também tocaram alegremente sem parar – uma oportunidade para multar que os fiscais do PSIU não teriam perdido, se já tivéssemos então a chamada lei do silêncio.

Afinal, a que veio esse PSIU? O ensurdecedor ruído da cidade cresce na razão direta da desordenada expansão urbana e do crescimento da população. São Paulo virou um pandemônio onde a presença do PSIU na sua missão de proteger nossos ouvidos talvez só possa ser notada no gradual emudecimento dos inofensivos sinos das igrejas. 

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