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Publicado: Sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O fim do ano, Budha e o equilibrista

O fim do ano, Budha e o equilibrista

Há tempos, nada posto por aqui. Defini comigo um compromisso muito honesto com este espaço: permitir que ele fosse um espaço de expressão, e nem sempre nosso momento é de expressar. Às vezes o nosso caminhar interno pouco permite dividir.

Mais uma vez nos aproximamos de Rosh Hashaná. O ano novo judaico. Um momento de introspecção e reflexão, e eu, na minha mais singela antítese, aqui venho para dividir.

Neste momento de pensar em minha vida, meus atos e meu ser, me vejo à frente com o desafio de manter o equilíbrio. Tão simples e tão profundamente difícil.

Nas últimas semanas esta lição tem se mostrado presente em meus pensamentos. Qual é o momento exato em que algo nos faz perder o balanço ideal das coisas?

Não necessariamente explodir em raiva, mas, por exemplo, num exacerbar de alegria e empolgação, perder o contato com o nosso ser, errar nossos limites e exagerar. Machucar uma perna pela empolgação do jogo, beber demais pela empolgação da festa, falar demais pela empolgação da conversa…

Nada condenável, de forma alguma, pois nada tem de condenável o erro. Mas, como manter a serenidade?

Vejo a imagem de um equilibrista andando sobre uma corda bamba. Ele, talvez um exemplo de equilíbrio, não caminha estático e sem movimento. Caminha pendendo, para um lado e outro. Pois creio que disso é feito nosso equilíbrio. De desequilíbrios que não nos tombam, apenas balançam, sinalizando que devemos pender para um lado ou outro, na busca de um balanço que jamais encontra a exatidão, mas que nos permite caminhar sobre a corda sem tombar, sendo cada balançar, uma oportunidade de aprender sobre o momento.

Já que há tanto tempo estou quieto, me permitam dividir um pequeno conto budista, de um autor sobre quem pouco se sabe, salvo que era um monge indiano, do século V.

Um homem tido como tolo foi convidado a um banquete na casa de um exímio cozinheiro. Ao experimentar a comida, acusou-a imediatamente sem gosto. O anfitrião, o cozinheiro, imediatamente a experimentou, e sorrindo, colocou uma pitada de sal.
O convidado novamente experimentou e fascinou-se com o sabor maravilhoso da comida. Logo concluiu, obviamente, que o sabor maravilhoso devia-se ao sal, pensando: se uma pequena pitada tem um gosto tão divino, imagine uma colher cheia! Jogou toda sua comida fora, encheu seu prato do tempero e levou à boca uma colher cheia de sal!
A horrível sensação de uma boca cheia de sal ao invés de um delicioso jantar se deve ao fato de que nosso tolo não percebeu que o equilíbrio entre as coisas é que constrói a harmonia. Este equilíbrio é sutil, e nem sempre podemos vê-lo. É no equilíbrio entre todos que cada um pode fazer seu melhor, e a falta de um elemento, por menor que seja, pode impedir que o equilíbrio seja belo.

Quem acredita que somos únicos, e não precisamos do outro para sermos nossa melhor versão. Quem não entende o valor do coletivo, do grupo, do todo, acabará com a boca salgada. Bem nesta época em que comemos doces para adoçar o ano. Mas assim como o sal, o doce sozinho não fará o ano doce.

Neste Rosh Hashaná, com tantos dilemas que nos cercam como povo e como humanidade, espero que possamos ampliar nossa consciência sobre o equilíbrio, e entender que é o coletivo harmônico que constrói o verdadeiro sabor.

Shaná Tová ! Bom ano.

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