Colunistas

Publicado: Domingo, 5 de fevereiro de 2017

Outu, 1610

Batelões à beira do rio Anhembi, pouco antes da quebradeira nas águas que os Carijós costumam chamar Outu, indicavam gente chegando de viagem. O grupo desembarcou e seguiu abrindo caminho na mata para chegar ao destino antes do pôr do sol. Uns carregavam trouxas com roupas e utensílios, outros traziam espadas e bacamartes, gente de pele avermelhada falando um patuá, mistura do idioma do reino com a língua dos indígenas.

Eram todos homens, cerca de vinte. Atrás dos mestiços, vinha um bando silvícola carregando arcas, pesadas caixas, uma delas com uma imagem da Virgem com o Menino, embalada em tecido.

À frente, passo firme, vinha o também mestiço Domingos Fernandes, terceiro filho de Susana Dias e Manoel Fernandes Ramos. Era homem conhecido e respeitado pela incursão no Guairá, onde apreendeu muitos indígenas, anos antes. Lendária figura, retornava de Parnaíba para as terras que lhe couberam por herança de sesmaria, no Outu.

Seguiram o velho caminho indígena até alcançar o córrego, parada comum. Descansaram. A última subida, para atingir o lugarejo, amontoado de casas, era curta, mas o peso das arcas não permitia pressa. Nessa região mais alta, antiga aldeia carijó, Fernandes iniciava um assentamento.

Perto do entardecer, avistaram a fumaça dos fogões. Queriam chegar antes do Angelus, a oração da tarde. O bandeirante sempre à frente, atravessou o quintal das casas de sua filha mais moça, Agostinha, casada com Domingos Diniz. Ela havia acompanhado os pais, deixando Parnaíba para viver no Outu. Ao passar, todos notaram o progresso da roça de milho.

A esposa de Domingo Fernandes, Anna da Costa, o aguardava em casa. Fazia dois meses que ele partira, deixando uma capela quase pronta, paredes bem erguidas de taipa. O acabamento ficara por conta do moço Cristóvão Diniz.

Por esses dias, a reza ainda seria em casa. À noitinha reuniram-se os parentes para saber dos importantes papéis trazidos de Piratininga, autorizando a benção da capela, que no futuro poderia ter padre curador das almas. Depois de cinco anos vivendo no Outu, o lugar poderia ser um povoado. Fernandes lembrou que a festa da Senhora da Luz estava chegando. Ordenou que se aprontassem roupas, bom vinho e comida, inclusive aos cativos.

Mais tarde, de sua janela, admirava a capela e sonhava com o futuro. Notou o sino no alto da torre; soube que não se ousara tocá-lo na sua ausência.

Poucos dias passados, a festa chegou. O vigário encomendado de Parnaíba, revestido de paramentos procedeu a benção da pequena igreja e da imagem de Nossa Senhora Candelária, esculpida em barro, cozido pintado. Era presente de Susana Dias, mãe do povoador. Tangeu-se o sino pela vez primeira. Enquanto rezava-se a missa, cantavam-se as ladainhas. Antes da comilança, o vigário casou uns índios e batizou as crianças pagãs.

A capela se tornou o ponto central do povoado. Todas as casas, se bem que pouco mais de dez, estavam voltadas para ela.

Desde aquele tempo, no Outu, jamais se deixou de fazer preces à Virgem Candelária. 

Comentários