Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Volta Pedestre - Fé em Deus e Pé na Tábua

Eu corro. Tu corres? Eles correm. Nós corremos! Nós, eles e eu, temos uma equipe: Fé em Deus e Pé na Tábua1. Corremos, pela terceira vez, a Volta Pedestre em comemoração ao aniversário de nossa cidade. Também costumamos correr outras provas tradicionais de 10 Km pelas redondezas: São Paulo, Campinas, Sorocaba, ... Não somos uma equipe da qual se possa dizer “Puxa! Como correm aqueles caras!”, mas treinamos regularmente de 30 a 40 Km por semana. Dá, pelo menos, para mantermos nossa boa saúde e ganharmos a medalhinha (e o lanchinho!) ao final das corridas.
 
Por que nós corremos? Bem, creio que porque é gostoso. Principalmente depois que se acaba de correr, tem-se uma sensação enorme de bem estar. Sente-se um certo cansaço, é claro, mas é um cansaço gostoso, que nos faz sentir mais vivos, mais conscientes de nossos corpos e ... de certos músculos (quando doem) que nem imaginávamos que possuíamos. Temos a consciência de que o corpo não foi feito para ficar o tempo todo sentado ou deitado no sofá vendo televisão. Sabemos que nosso bem estar físico cotidiano, nas horas em que estamos trabalhando, ou passeando, ou fazendo qualquer outra coisa, tem ligação diretacom nossa atividade física – correr – praticada regularmente e sem exageros. Também nossas mentes se beneficiam: se sentem mais límpidas, mais ágeis, o raciocínio mais vivo. E, last but not least, existe o desafio. Dois desafios, na verdade: o primeiro é o desafio que cada um faz a sí próprio, de tentar baixar seu tempo de prova a cada corrida, bater seu próprio recorde; o segundo, é de chegar na frente dos outros caras da equipe. Não pretendemos, nem de longe, competir com os atletas de elite. É só um rixa de brincadeira, entre bons amigos.
 
Vou repetir a pergunta: por que nós corremos? Mas agora coloco-a num sentido mais amplo, onde “nós” quer dizer a espécie humana. Será que nossas velocidades e as distâncias que conseguimos correr são dignas de nota se comparadas a outros mamíferos? E, se forem algo apreciáveis, por que nossa espécie desenvolveu essa capacidade, ao longo de nossa evolução biológica2?
 
Talvez nem todos, mas uma grande parte dos que correram a 23a  Volta Pedestre (10Km), estão acostumados a correr vários quilômetros por dia e fazem isso com certa regularidade. Outros ainda, mesmo que não sejam atletas profissionais ou “de elite”, como se costuma dizer, são capazes de correr maratonas (42,2 Km). Não existem muitas espécies de mamíferos que realizem essas façanhas. Várias espécies migram, caminhado muitos kilômetros por dia e mesmo os humanos são capazes de caminhar longas distâncias, andando o dia inteiro praticamente. Mas, preste atenção, estamos falando em correr, não em caminhar. A biomecânica do ato de correr e as características anatômicas e energéticas exigidas nessa atividade vão bem além daquelas necessárias ao simples caminhar.
 
Correr distâncias equivalentes a uma maratona ou mesmo os 10 Km são impensáveis para qualquer outro primata além do homem. Já lobos percorrem até 14 Km e hienas 19 Km num dia. E nem precisamos falar de cavalos e cães (especialmente aqueles que puxam trenós): estes podem correr por longas distâncias mesmo. Mas, mesmos estes animais, quando correm essas longas distâncias, geralmente o fazem trotando e não galopando (galope é o que os cavalos de corrida fazem quando competem). O trote, nos quadrúpedes, é o tipo de movimento que mais se assemelha à biomecânica do correr dos bípedes como nós. A velocidade média aproximada de trote de quadrúpedes de 500 Kg varia entre 2,8 e 6,0 m/s (m/s = metros por segundo). Quadrúpedes na faixa de 65 Kg têm sua velocidade de trote entre 1,6 e 3,9 m/s. Já os humanos, em corridas de longa distância, variam sua velocidade entre 2,3 e 6,5 m/s. Vejam o caso do Roberto Oliveira, que venceu a última edição da nossa Volta Pedestre, ele completou a prova em praticamente 30 minutos. Fazendo as contas temos:
 
30 min = 30 x 60 segundos = 1.800 segundos
10 Km = 10.000 metros
Velocidade (média) = 10.000 / 1.800 = 5,5 m/s
 
Essas comparações de velocidades e distâncias mostram que nós humanos somos, sim, bastante bons em corridas de resistência, diferentemente de todos os outros primatas.
 
Várias características estruturais3 do corpo humano fazem de nós bons corredores de resistência. Algumas dessas características também favorecem o ato mais simples de caminhar só com os membros posteriores (bipedalismo), o que poderia nos induzir a pensar que a capacidade de correr é um efeito colateral, um subproduto, da aquisição evolutiva do bipedalismo. Porém, temos certas estruturas anatômicas que favorecem muito pouco ou nada o simples caminhar bípede, mas são indispensáveis ao correr. Isto sugere que nossa espécie adaptou-se, em sua evolução, para percorrer longas distâncias tanto caminhado como correndo com os membros posteriores. As evidências fósseis ainda não permitem localizar com maior precisão, na escala evolutiva, quando surgiram essas várias características morfológicas, mas a maioria delas já estava presente no Homo erectus e algumas presentes até mesmo no Homo habilis4.
 
Quais eventos, situações e comportamentos teriam selecionado nossas habilidades para corrida de longa distância? Talvez, antes da invenção de armas eficientes como o arco e flecha, a única maneira de nossos ancestrais caçarem fosse perseguir a presa, na corrida, até a exaustão desta, possivelmente atirando-lhe pedras. Uma outra hipótese seria a da necessidade de competir pela carcaça de grandes animais mortos. Supõe-se que a inclusão de carne na dieta dos hominídeos teve papel importante no desenvolvimento de nosso cérebro. Numa época em que ainda não éramos caçadores competentes, a melhor oportunidade de acesso à carne seria a exploração dos restos de animais mortos. Hienas e cães selvagens, através de seu olfato apurado ou do v
Comentários