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Publicado: Sábado, 27 de dezembro de 2008

Viagem para 1808

Não há como negar: o brasileiro em geral não leva a História a sério, em nenhum de seus segmentos. No que diz respeito ao próprio Brasil, o fato pode ser verificado através da má conservação ou completa destruição de prédios, obras artísticas e monumentos públicos, vítimas de um total desinteresse.
 
Parece que o brasileiro tem vergonha de seu passado. Posso concordar que não tivemos um início ideal como país, levando-se em conta a chaga de ser uma terra explorada e vilipendiada pelos colonizadores, marcados ainda com o triste episódio da escravidão em nosso território. Porém, um povo que não conhece seu passado limita o seu futuro. Sem saber de onde viemos, como determinar para onde vamos?
 
Concordo que os professores se esforçam. Mas infelizmente, se fizermos uma pesquisa, certamente as pessoas saberão mais sobre a biografia do fictício Homem-Aranha do que sobre a vida de Dom Pedro I. Saberão dizer o nome de todos os jogadores do Corinthians, mas não se lembrarão quem foi o Regente Feijó. Acharão que Dom Pedro II é a parte dois de algum novo filme de ação. E que Joaquim José da Silva Xavier é o nome de um maratonista olímpico.
 
Estamos terminando o ano no qual se completo o segundo centenário da chegada de Dom João VI e da corte portuguesa ao Brasil. Em 1808 éramos apenas uma colônia como qualquer outra. Localizados no Novo Mundo, nossa vantagem eram as novidades da terra desconhecida. A variedade de índios e culturas, de novas plantas, frutas e animais. A beleza exótica da nossa terra, nunca vista antes pelos europeus.
 
Caindo de joelhos diante da força de Napoleão Bonaparte, um furacão em forma de homem, vários reis e rainhas já haviam sido depostos ou mortos pelo imperador francês. Quando percebeu que o exército napoleônico batia às portas de seu reino, Dom João VI bateu em retirada. Abandonou Portugal e refugiou-se o mais longe possível: o território brasileiro.
 
Depois de meses e meses viajando em alto-mar, eis que a corte portuguesa chega ao Brasil Colônia. Foi uma revolução. Repentinamente, dezenas de milhares de pessoas passaram a viver no Rio de Janeiro. Todas eram devidamente sustentadas por Dom João VI que, por sua vez, era sustentado pelas verbas dos homens ricos daqui que, vejam só, desde aquele tempo, faziam da bajulação oficial um modo de ascensão social.
 
Considerado um covarde indeciso, sem hábitos de higiene e além de tudo um péssimo administrador, Dom João VI teve ao menos a esperteza de cercar-se de pessoas muito competentes. Tal decisão possibilitou a realização de diversas melhorias em solo brasileiro, tanto no aspecto urbano e sanitário, quanto no que diz respeito às leis e funcionamento do país.
 
Depois de 13 anos em terras brasileiras, intimado dramaticamente a voltar à Portugal, sob a pena de perder sua coroa, Dom João VI acabou deixando o Brasil melhor do que encontrou em sua chegada, sob a direção de seu filho, Dom Pedro I. A colônia passara a ser mais importante do que a própria sede do império português, passo ideal para buscar enfim a sua independência.
 
Deixando de lado o tom monótono de muitos livros históricos, o jornalista Laurentino Gomes foi o responsável pela publicação de “1808” (Editora Planeta), resultado de muitos anos de pesquisa. Logo na capa, o subtítulo encanta pela objetividade e franqueza: “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”.
 
O autor apresenta em detalhes todos os momentos dessa verdadeira saga. O medo da invasão napoleônica, a terrível viagem do portugueses para o Brasil, as situações criadas com a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, a vida de nobres e plebeus, escravos e estrangeiros. Em certos momentos é como se fôssemos transportados duzentos anos no passado, através da leitura. Algo magnífico, sonho de qualquer escritor que se preze.
 
O livro “1808” ganhou vários prêmios e inúmeras críticas positivas. Confesso que não conhecia muito do que ali foi exposto e como é bom aprender sempre mais, ainda mais sobre o país que se ama tanto. Ao término da obra fica a sensação de que, ao cabo de dois séculos, o Brasil mudou bastante e não mudou nada. Consegue-se entender o porquê de sermos o povo que somos, a razão pelas quais as coisas funcionam ou não por aqui.
 
Amém.
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