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Publicado: Quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Um lugar tão delicado

Crédito: Arquivo Pessoal Um lugar tão delicado
Quando paro, respiro, e a música chama o corpo para dançar a alma, esse lugar tão delicado me encontra. Ele é simples, como tudo que é belo. É sensível, como tudo que vive. É silencioso, como tudo que sonha.

Existe esse lugar dentro de mim, tão delicado que me habita como gotas de orvalho. Leve como perfume de flor, suave como a brisa morna do amanhecer. Quando danço, às vezes o encontro. Parece um botão que ainda não desabrochou, mas contém dentro de si toda a história que ainda espera viver.

Neste lugar tão delicado, tudo importa. Um pequeno gesto com os dedos, a mirada do olhar, o respiro das costas, o tocar das pontas do pé no solo. Tudo ganha tamanha importância que a vida se engrandece.

Acho mesmo que esse lugar tão delicado mora em todas as crianças, mas também nos adultos crescidos, nos animais, nas árvores e nas flores. É que na correria do relógio e no buzinar das cidades, a gente, que é humano, se esquece de que ele existe. Por isso eu danço.

Quando paro, respiro, e a música chama o corpo para dançar a alma, esse lugar tão delicado me encontra. Ele é simples, como tudo que é belo. É sensível, como tudo que vive. É silencioso, como tudo que sonha. É sutil, como tudo que importa.

Este lugar tão delicado me mostra que os passos não podem ser em vão. Já basta de tantos automáticos na vida! Carro automático, despertador automático, agenda automática, conversas automáticas, olhar automático, quanto automatismo! Basta!

E por falar em olhar... ah, o olhar... Quantas vezes passo pela mesma rua e não vejo. Quantos dias eu olho para minha família e não percebo. Há quantos anos moro na mesma casa e não enxergo. Que o automático não me persiga, porque nesse lugar tão delicado o olhar importa! Quando danço eu me lembro de toda a magnitude do olhar. Encontro a beleza, a vergonha, o sorriso amassado, as mãos se tocando em confiança, a expressão singela do querer voar na terra. Quantos encontros explodem no acordar do olhar!

Aprendo lentamente que cada mínimo gesto é uma escolha de presença na dança da vida. Ao abrir as mãos, o que estou verdadeiramente oferecendo? Ao levantar meus braços para o céu, consigo conectar com as estrelas? Ao girar, de onde saio e para onde volto? Será que aprendi com o percurso? Quando as palmas da minha mão tocam o coração, o que escuto? Quando meus pés acalentam delicadamente o solo, será que percebo que tudo não passa de uma oração para a terra? Tudo é maciamente pulsante nesse lugar tão delicado que nos habita...

No exato ponto desperto do meu ser, onde as células acordam e sorriem, nada é mais importante do que a VIDA. Do centro do peito um mar azul se abre em transbordamento. O caminho do amor é tão simples nesse lugar tão delicado. Não sei por que a gente complica tanto!

Quero morar neste templo, onde o pulsar se torna inquietantemente calado, onde o silêncio abraça em movimento e eu posso transbordar a luz sem me esconder. Onde meu corpo não prende, meus braços abrem em asas e meus pés desenham beleza. Neste lugar tão delicado onde a terra beija o céu e absolutamente tudo respira em um só som, eu sei quem sou e o que anseio. Que eu me lembre disso em todos os dias da minha vida...

(texto escrito após o Workshop de Danças Circulares com Judy King em São Paulo, que me trouxe uma profunda conexão com esse lugar tão delicado que mora em mim. – Outubro de 2013)
 

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