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Publicado: Terça-feira, 18 de maio de 2010

Um dedo de prosa ou prosa cheia de dedos

Um dedo de prosa ou prosa cheia de dedos

Resolvi escrever sobre algo que pode parecer tão simples, mas é tão complicado. O diálogo.

Uma prática aparentemente tão corriqueira como soltar a prosa e papear é uma das mais importantes fronteiras na tão necessária transformação nas organizações e na sociedade em geral.

Dialogar é mais do que falar com alguém. É ter a difícil capacidade de escutar. Escutar com a mente e a alma, aberto para mudar nossa opinião sobre as coisas. Escutar disposto a rever nossos pensamentos. A maior parte dos diálogos que eu assisto são formados por pessoas com seus próprios discursos. Uma espera que a outra fale, para falar então o que já havia pensado antes. O que foi dito pelo outro mal é escutado.

A possibilidade de dialogar para construir ainda é uma barreira cultural tremenda. O diálogo é usado para resolver ou transmitir. A idéia de que o conhecimento, a criação e o próprio futuro podem ser construídos durante o diálogo, ao invés de precedê-lo, é estranha para a maioria das pessoas inseridas hoje nas organizações em geral. Isto é empobrecedor, pois dialogar é um meio, e se o meio não for percorrido, o destino será menos grandioso do que poderia ser.

Ouvir uma crítica, preocupando-se mais em entendê-la e pensar sobre ela do que em rebatê-la. Todos dizem que fazem isto, e quase ninguém faz realmente. Preste atenção: Quando receber uma crítica dura, quanto tempo você levará para responder? Se levar menos do que trinta longos segundo, é porque realmente não a escutou. O diálogo implica em um espaço vazio entre as falas. Um espaço de silêncio que será preenchido naturalmente quando a hora certa chegar. É o vazio que possibilita o novo. Algo, quando dito, deve encontrar espaço para ser escutado, processado, antes de fazer parte do pensamento, e da fala, seguinte. Este vazio angustia a quase todos, que ansiosos por preencher o silêncio, dizem qualquer coisa sem pensar no que acabou de ser dito. Reagem ao seu sentimento mais superficial sem tentar entender o que sentiram e, a partir daí, tentar entender como foi afetado pelo que escutaram.

Exercitar o diálogo é fundamental para o nosso futuro. Ler este texto não basta. O exercício é indispensável. Gosto de contar a passagem na qual vi monges budhistas discutindo em Dharamshala, monastério onde vive o Dhalai Lama, na Índia tibetana. Em duplas, dezenas deles permaneciam sentados, com as pernas cruzadas, enquanto outros, em pé à sua frente, gritavam com eles e faziam gestos agressivos. Perguntei a eles o que estava fazendo, e me responderam que estavam treinando o corpo e a mente para dialogar sem reagir com violência às agressões.

Se não conseguirmos tomar contato com nossas emoções e incorporá-las conscientemente em um diálogo, não poderemos acessar o conteúdo da prosa. E fazer isto demanda exercício e treino. Dialogar demanda aprendizagem. E nós precisamos disso.

Veja este pequeno vídeo sobre o trabalho com o diálogo.

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