Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Por que Sorocaba?

Hoje, comumente, nestas redondezas, quando se necessita de algo de centros maiores, volta e meia se percorre os trinta quilometros, se tanto, da Castelinho.

Um pulo, pois, de Itu até lá.

Mas não foi sempre assim.

Vivia-se a década de quarenta.

Mamãe, italiana de nascimento, de prole numerosa, família recentemente instalada em Itu, pois se mudara de Capivari, queria empregar-se na fábrica de tecidos, o que lhe fora negado porque ultrapassara o limite de idade.

Voluntariosa – e porque em Itu não havia escritório para tal atendimento – decidiu ir até Sorocaba (aí sim, nesse tempo, a viagem era de certo modo quase uma aventura a uma pessoa sem recursos). E foi.

Levou consigo o seu caçula, este cronista. Estaria ele lá pelos quatro ou cinco anos de idade. Por aí.

Lances dessa fase na vida das pessoas, alguns deles, ficam acentuadamente marcados. Principalmente por se viver momentos inusitados, ver locais diferentes e muitas novidades. Uma especial: o bonde. Andar de bonde, um gáudio! Bonde não anda, claro, mas a expressão era essa mesmo. Como a de agora, de andar de carro.

Fala-se aqui e se percebe logo, de hábitos, costumes e práticas usuais de um passado distante e... saudoso. Ah, e como!

Vai parecer balela dizer-se aos de hoje que naquela época o pão e o leite eram deixados bem cedinho à porta das casas; de que vizinhos postavam cadeiras na calçada para o papo solto ao fim da tarde; que todos se conheciam e se acudiam: me empresta uma tomada de açúcar; vim trazer um docinho de laranja que acabei de fazer; olha aí o comprimido para sua dor de cabeça. Era um leva e traz na maior das camaradagens.

Inexistente a televisão, curtia-se com muito carinho, sinceridade, atenção e reciprocidade, o salutar costume de visitas entre as famílias. Nunca, jamais, era preciso anunciar a chegada do pessoal. E iam todos: marido, mulher e filhos. Sempre uma festa. Mesmo parentes chegados de fora, sem aviso, vinham e se instalavam. Hospitalidade, um dever, uma regra de ouro de entao, cumprida sempre com imenso e sincero prazer. Sentiam-se estimulados a procurar e receber entes próximos ou amigos, sequiosos de saber deles, em todos os sentidos. Os meios de comunicação cingiam-se às cartas; telefones, sempre de magneto, poucos os possuiam.

Assim, com essas características, é que descem do bonde, a mamãe com sua bolsa simples pendurada no braço e a conduzir o menino pela mão. Dirigu-se para a casa do Thiaguinho, se engano não houver, um primo do papai, que de há muito morava em Sorocaba, oriundo como os de casa da saudosa Capivari.

Dona Antoninha, que prazer! Que saudade!

Braços estendidos desde lá do fundo do corredor lateral e descoberto, tão logo avistou a gente, no portão de madeira, vazado. A esposa do Thiaguinho.

Esses gestos, essa bondade natural e espontanea que ninguem escondia e que era sabidamente verdadeira, cravam-se na mente a não mais esquecer.

Hora do almoço, obviamente.

Imagine-se hoje chegar de visita para almoçar e sem anúncio previo!

Tal não mais acontece porque ninguém ousaria faze-lo.

Os homens, as mulheres, fecharam-se socialmente em si próprios.

Regras e etiquetas modernas não admitem surpresas.

Essencialmente formais.

Volte-se contudo para a casa do Thiaguinho.

Os olhos curiosos de criança percorriam todos os espaços.

Casa de gente simples.

Mas tem pontos de que não se olvida. Uma delas, a do cardápio. Naquele dia, além da indefectível parceria do arroz com feijão, bife de fígado à milanesa. Que delícia. Hora de se perguntar também, que detalhes de condimentos se usavam para que à época as refeições tivessem tempero tão saboroso.

Lembra-se, não com certeza, que o banheiro fosse do lado de fora, numa espécie de área externa sem paredes laterais mas protegida de um telheiro simples. Tanto que havia uma rede convidativa num dos cantos. Tanque de lavar roupa de outro lado.

Detalhe inesquecível: a existência de um colorido e alegre papagaio.

Bem, depois de uma prosa que auxiliava a digestão, à tarde, mamãe saiu a cuidar dos papéis, numa repartição do Trabalho e, convincentemente, obteve a  laureada autorização para ingressar na fábrica em Itu, a então modelar e avançada indústria para aqueles tempos,  Cia. Fiação e Tecelegam São Pedro.

Ingressou com bem mais de quarenta anos e a deixou aos sessenta e cinco, aposentada por idade, pois por tempo de serviço jamais seria possível.

Sorocaba, por essa feliz circunstância, sempre teve um significado especial e inesquecível no amplo baú em que se acumulam todas as boas lembranças da vida.

(Crônica publicada no livro “Um olhar sobre Sorocaba” , lançado em 26.8.2010, Editora Ottoni.

Comentários