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Publicado: Domingo, 8 de março de 2015

Pandemia

Pandemia

Um punhado de dentes. As mãos, juntas feito concha pra beber água em bica, levavam um punhado de dentes ainda sujos de um sangue que já começara a desidratar. Eram dentes inteiros, com raízes. No meio da rua, gente com o rosto murcho esmurrava seus punhos nas buzinas dos carros, outros choravam olhando para o céu e, não distante e atônita, ela observou um homem alto sendo cisalhado por um ônibus sem motorista e uma velha mureta. Olhou em volta e o pânico escancarado a ensurdeceu; uma fila com centenas de pessoas aumentava cada vez mais, e todas traziam seus semblantes pálidos e seus punhados de dentes nas mãos. De frente para a fila, usando os três degraus imundos do posto de saúde como palanque, uma mulher gorda e já sem nem um dos seus dentes gritava, com insucesso, as regras do atendimento: "Não toquem em ninguém! Vocês adquiriram um vírus contagioso. Não toquem em ninguém! Toda a equipe médica está preparada para atendê-los". Deitado à beira do caos, na calçada, um mendigo roncava.

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