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Publicado: Sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Os bastidores da (In)dependência do Brasil

Da dinastia Bragança à dinastia Rotschild

A transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro em 1808 foi um momento decisivo no processo da independência política do Brasil. Com a presença da Corte, que abandonou Portugal por pressão e sob a proteção da Inglaterra, o Brasil passou a gravitar diretamente na órbita do nascente imperialismo britânico. Dentro desse contexto histórico é que se desenvolveu o processo que culminaria com a separação entre a antiga metrópole e a colônia. O assunto começou a ser efetivamente resolvido em outubro de 1807. Nesse momento, Portugal e Inglaterra firmaram a convenção secreta pela qual o governo inglês dispunha a ajudar o governo luso a transferir para o Brasil a sede da monarquia portuguesa, evitando que caíssem nas mãos dos franceses tanto as possessões lusas como os navios de guerra e mercantes e as forças militares de Portugal. A convenção secreta assegurava que, uma vez estabelecido no Brasil o governo luso, a Inglaterra se comprometia a não reconhecer como rei de Portugal outro príncipe que não fosse o herdeiro legítimo da casa de Bragança. Mas, assim que a Corte chegasse, seria iniciada uma série de negociações para a assinatura de um tratado de comércio e de assistência entre a Inglaterra e Portugal.

A instalação de um império luso-brasileiro com sede na América não era exatamente uma idéia nova. Ela já tinha sido aventada em outros momentos. Na década de 1780, por exemplo, entre os figurões da sociedade de Minas Gerais que reuniam-se para discutir a situação da capitania, as possibilidades e os alvos de uma sedição e as linhas gerais de uma nova ordem política e econômica, estava o cônego Luís Vieira da Silva, professor do seminário de Mariana e clérigo com formação intelectual na própria colônia. Ele integrava o grupo que tinha como centro ativo de conspiração a residência de João Rodrigues de Macedo, atual Casa dos Contos em Ouro Preto.

O cônego Vieira da Silva era simpático à instalação de um império luso-brasileiro com sede na América, mas sem romper a integridade da dinastia Bragança.

Estudioso da história e apaixonado pela sua terra, fez conjeturas sobre o que poderia ocorrer se no futuro a Coroa portuguesa tomasse a decisão de se instalar na América: “seria felicíssimo este continente se viesse para ele algum dos príncipes portugueses: mais, que a suceder assim, sempre corria risco de o quererem cá aclamar; e que o melhor de tudo seria mudar a Rainha a sua corte para a América”. Falando como um certeiro profeta, suas idéias sinalizavam que os inconfidentes não seriam hostis à possibilidade de manutenção da unidade dos portugueses das quatro partes do mundo. Na realidade, na Inconfidência Mineira houve o “entrecruzamento de tendências diversas”: inconfidências, no plural, contra elementos do sistema colonial, ora propugnando a idéia de um império luso-brasileiro centrado na América mantendo-se a unidade política da nação portuguesa sob a dinastia Bragança; ora sonhando com uma república em Minas Gerais e rompendo com a Coroa bragantina, mas preservando as instituições políticas locais. As inconfidências, entretanto, não devem ser interpretadas de modo teleológico, isto é, como elo de uma corrente de acontecimentos que culmina com o rompimento dos laços com a metrópole.

Do outro lado do Atlântico o projeto de constituição de um império luso-brasileiro também era acalentado e teve como um de seus principais mentores d. Rodrigo de Souza Coutinho, ilustrado dos mais importantes de Portugal, afilhado de batismo do marquês de Pombal e um dos ministros do príncipe D. João. Dentre suas propostas constava a transferência da capital do império para o Brasil, com objetivo de formar um grande Estado atlântico, do qual a metrópole constituiria o pólo dinamizador das relações comerciais do império e não mais o centro dominador e monopolizador.

Quando as potências européias fracassaram em debelar os avanços da França napoleônica, a idéia voltou à tona. A estratégia da transferência da Corte para o Brasil, contando agora com o apoio da Inglaterra, partia da avaliação de que Portugal não era a melhor parte da monarquia, ao passo que no Brasil o príncipe regente poderia criar um poderoso império. Forçada pela ameaça francesa de invasão e a pressão inglesa, a Corte “decidiu-se” a 29 de dezembro de 1807 mudar-se para o Brasil, levando ao extremo a lógica que privilegiava a manutenção do império colonial. A transferência da Corte fez-se acompanhar da abertura dos portos brasileiros, franqueando-se a entrada dos manufaturados ingleses e rompendo-se com o exclusivismo comercial, base do desenvolvimento manufatureiro metropolitano. Do ponto de vista econômico, no caso das relações entre Portugal e Brasil, a crise do sistema colonial só se iniciou em 1808.

O projeto da instituição do império luso-brasileiro, sediado na América, alimentado nos dois lados do Atlântico e que teve nos inconfidentes mineiros um de seus partidários, saiu-se vitorioso. O próprio príncipe regente D. João, ao pisar em terras do Brasil, fez questão de frisar que vinha fundar um novo império. O seu projeto logo recebeu adesão das elites políticas locais, que cederam moradias e outras facilidades para a Corte e sua grande comitiva, ancorada na percepção de que haveria “a sua participação na gestão da coisa pública com a maior proximidade do centro de poder”. A transferência da família real tornou realidade não apenas o propósito político de alguns inconfidentes de Minas de transformar a América em centro do Império, como também contemplou um de seus objetivos econômicos, comum aos inconfidentes da Bahia: a abertura dos portos. Entretanto, não destruiu o absolutismo e trouxe a negação de propósitos de outras inconfidências: a república, a liberdade e a igualdade.

A separação da metrópole provocou o primeiro dos grandes problemas internacionais da ex-colônia: o do reconhecimento, a que Portugal se opunha com tenacidade. A tradicional e inescapável mediação britânica teve então lugar. A Inglaterra pressionou Portugal a assinar o tratado em que Portugal reconhecia a in

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