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Publicado: Segunda-feira, 5 de julho de 2010

Olha a boca menino!

Olha a boca menino!

Posso assegurar ao leitor que isso de olhar o mundo com o frescor do estranhamento não é nenhuma promessa nem tão pouco acredito seja praga de algum desafeto; é, pura e simplesmente, um jeito de olhar; o meu jeito.

Percebo que isso às vezes pode dar a impressão de que almejo ser um polemista, falsa impressão; nunca almejei ser um polemista. Contudo, reconheço que o mundo no qual vivemos é polêmico.

Se não é assim, então como aceitar a idéia de que uma cor, uma única e simples cor, possa concentrar em si tudo de negativo? “Ih! A coisa tá preta!” Basta que algo ande fora do programado e já logo alguém se incumbe de advertir com ares de pesar: “Ih... A coisa está ficando preta”. Coitado do preto... Tem as costas largas.

Não consigo resistir à tentação de sugerir que isso seja um preconceito ligado aos remotos tempos da escravidão; deve ser desde lá que a cor negra carrega esse fardo.
Tem gente que já percebeu isso e não anuncia que a coisa está preta, mas diz que está ficando russo. Pois o infeliz faz o mesmo que o motorista desafortunado que desvia de um buraco para deixar-se cair em outro. Algo não anda como deveria andar e lá vem o diagnóstico: “Ih... Tá russo!” Neste caso, a filiação ideológica da expressão é patente e inegável. É bem verdade que já vai longe os tempos da bipolarização mundial, mas a expressão resiste e acentua uma visão politicamente comprometida. Cuidado com o que fala! Mesmo sem querer as palavras comprometem.

Atenção redobrada com as expressões consagradas! Alguém toma uma atitude valente e já logo sentenciam: “O cara foi muito macho!”. Diante de um desafio já dizem logo: “Para fazer isso tem que ser muito homem!” Eu pergunto ao leitor de onde vem essa idéia de que o homem é mais valente que a mulher? Por acaso, não são elas que sofrem as dores do parto? Afinal não são elas que sobrevivem, a séculos, num mundo machista, patriarcal e sexista?

Receio que o leitor tenha me acompanhado até aqui e pense consigo mesmo: “Puxa, ele está coberto de razão!” Quem pode garantir que a razão seja a instância mais apropriada para tomarmos decisões? Por que não o coração? Afinal, o mundo que foi erigido pela primazia do pensamento racional não é exatamente um paraíso. Será que o que falta não é um pouco menos de razão e um pouco mais de fantasia? De sonho? De coração? Por que “coberto de razão” e não “coberto de intuição”?

Quem diria que falar pudesse ser tão perigoso? Então falou tá falado.

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