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Publicado: Domingo, 7 de março de 2010

O trabalho, a mulher e as suas escolhas

O trabalho, a mulher e as suas escolhas
As coisas que fazemos têm que nos tocar...

Gosto do clima ameno, “das águas de março fechando o verão” e da sensação de que o ano realmente começou. Janeiro carrega a preguiça das férias; fevereiro, a euforia do carnaval e março, inspira o trabalho. Aliás, em época de  mudanças frequentes, de um mundo com pressa, é o trabalho a identidade e a compreensão desse novo tempo.

Mas é bom que se diga que nem tudo pode ser reconhecido como trabalho. O mundo está repleto de pessoas tarefistas, hiperativas e incapazes de mudar o que as incomodam. Passam a vida toda reclamando da situação e sonhando com o dia da libertação. Sinto dizer, esse dia dificilmente chegará.

As coisas que fazemos profissionalmente têm que nos tocar, nos fazer gozar. A força realizadora capaz de gerar dedicação e responsabilidade, irmãs inseparáveis do sucesso, brota do significado que mora dentro da gente. Explicando melhor: para que haja prazer e sentido na vida profissional preciso reconhecer a sua importância em mim e no outro.  Quando isso acontece, nos aproximamos da felicidade. Freud, que pesquisou incansavelmente a mente humana e os prazeres do corpo, investiu tempo e estudo na compreensão da felicidade para nos dizer, que “homem feliz é aquele que tem amor e trabalho”.

Por isso gosto do mês de março. Mas não é só isso... Gosto também do tom feminino que março traduz: é nele que a mulher ganha destaque no calendário e na lembrança. Ainda que pareça hipocrisia, considerando que muitas mulheres são dependentes do poder masculino, muito mais por comodismo do que por força externa, é no mês de março que relembramos as histórias de coragem, determinação e heroísmo da mulher na sociedade. E (re)construímos a história.

A história precisa ser contada: não podemos acreditar que a mulher sempre gozou da liberdade e dos direitos hoje desfrutados.  A conquista feminina exigiu muita ousadia, luta e sofrimento da geração passada.  “As boas mulheres da China”, livro precioso de Xinram, revela com emoção o retrato dessa trajetória. E nos permite algumas lições: primeiro, a desejar que a homenagem pelo dia da mulher se transforme em oportunidade de igualdade, em todos os cantos do mundo. E segundo, a defender o valor histórico dessa trajetória, pelas escolhas que fazemos.

O que quero dizer com isso?

As cenas diárias do Big Brother e outras tantas, como a cena já esquecida da tal americana, que sofreu parada cardíaca e quase morreu ao fazer uma lipoaspiração, podem me ajudar nessa reflexão.

É obvio que lançar mão do avanço da medicina para melhorar o corpo e a auto-estima é privilégio do nosso século e deve ser utilizado, com cuidado e bom senso, sim. O fato é que isso não pode estar acima de tudo. A tal americana, que nem merece ser lembrada pelo nome, ao se internar na clínica estética havia dado à luz há dois meses. Repito: há dois meses!  Ou seja, a submissão aos estereótipos da beleza não difere da submissão à cultura machista, que tanto sufocou, silenciou, amordaçou e mutilou as mulheres no passado.

Não é possível manter a conquista da participação feminina com mulheres abandonando seus filhos, em pleno período da amamentação, para esculpir  barrigas.  Não é possível garantir valorização profissional, com exposição vulgar em programas televisivos, para dizer aos homens que na mulher, o corpo vale mais que a mente.   

Portanto, que esse tom feminino, trazido para a sensação de que o ano realmente começou, não nos deixe esquecer que as futuras mulheres, meninas hoje, dependem das nossas escolhas.

As gerações passadas já fizeram por nós. Agora é a nossa hora.

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