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Publicado: Quinta-feira, 15 de abril de 2010

O primeiro beijo

O primeiro beijo

Cadu teve a sua grande chance com Fabiana, sua bem amada, no bailinho de aniversário da Laís. Antes de sair de casa Cadu olhou-se no espelho e jurou, para si mesmo, que naquela noite a Fabiana cairia em seus braços.

Durante o banho ficou beijando as costas da mão. Sabia que a prática era importante e não queria fazer feio na noite de seu primeiro beijo. Não tinha certeza sobre o que fazer com a língua, mas com espírito desbravador lambeu toda a mão, experimentou mordiscar, fez movimentos circulares, ora com suavidade ora com destempero, sabia que homens previsíveis não cativam as mulheres. Seu pai bateu na porta do banheiro: hora de terminar o banho. Cadu deu-se por satisfeito; estava bem treinado.

A caminho da festa, no banco de trás, seguiu treinando o beijo de língua nas costas da mão. Treinamento que durou até que um dos solavancos do carro acabasse machucando sua boca e sua mão. Ele não desanimou com o incidente. A noite seria especial e já sentia um gostoso frio na barriga.

A festa era um bailinho muito romântico. As meninas sentadas e os meninos em rodinhas conversando. Assim que começava uma música lenta os garotos mais ousados e autoconfiantes tiravam as meninas para dançar. Cadu fazia parte do grupo dos meninos ousados e autoconfiantes.

O menino estava com o coração disparado, as mãos suando frias e um enorme frio na barriga. Tudo aquilo fazia parte do que estava prestes a acontecer: daria seu primeiro beijo na boca e começaria a namorar a mais bela garota da turma. Não eram acontecimentos banais.

Ao som do meloso Barry Manilow, nosso herói dirigiu-se decidido a encantadora Fabiana, estendeu-lha a mão e convidou-a para dançar. Se a garota não demonstrou entusiasmo, pelo menos não fez careta. Levantou-se, terminou um assunto breve com sua colega Laís e foi para o meio da pista, mãos dadas com seu pretendente.

O começo não foi fácil. Cadu rodava para a direita e Fabiana para a esquerda. Pararam e recomeçaram. Agora os dois inverteram o sentido, então Fabiana tomou as rédeas e indicou o sentido em que iriam rodar. Resolvido o sentido da dança novo desencontro: Cadu dava apenas uma requebrada para cada lado e Fabiana dava duas. O rapazote logo percebeu a proposta de sua bem amada e passou a dar duas requebradas também. De fato era melhor.

Passado este início de acertos o casal dançou três músicas seguidas. Acabava a música e Cadu não descolava da Fabiana a espera da próxima, imediatamente retomava nova dança. O contato da barriga da menina com a sua encantava o rapaz. Sentir a respiração de Fabiana era uma sensação que se tornaria inesquecível para o jovem Cadu. Quando a terceira música estava chegando ao fim, nosso herói respirou fundo, curtiu mais uma vez a respiração da Fabiana em sua barriga e disparou objetivo:

- Quer namorar comigo?

Fabiana sobressaltou-se. Não esperava uma investida tão direta e objetiva. Pediu um tempo para pensar. Pedido que pareceu muito razoável. Finalmente a menina foi liberada para voltar a sentar-se ao lado de suas amigas.

Cadu estava em ebulição. A expectativa quanto à resposta de Fabiana fazia o tempo parar. Não tinha fome, sede, nem ouvidos para mais nada. Ansiava pelo sim da garota, e aquilo era tudo e só o que interessava.

O baile foi interrompido pelos pais de Laís. Entraram com um enorme bolo e 12 velas acesas entoando o clássico “Parabéns para você”. Cadu tentou aproximar-se de Fabiana aproveitando-se do ensejo da partilha do bolo. A iniciativa não foi de todo equivocada, mas a realização foi um desastre. No afã de aproximar-se de sua bem amada, nosso desafortunado herói entornou seu copo de refrigerante na aniversariante. Na ânsia de reparar o estrago a emenda ficou pior do que o soneto. Ao puxar o guardanapo da mesa para enxugar os braços da Laís, trouxe a toalha toda e com ela o bolo, os brigadeiros, os refrigerantes e sua chance de dar seu primeiro beijo na boca foram ao chão.

Os pais de Laís foram esplêndidos. Acudiram o aturdido menino desculpando-o de antemão. Diziam que aquilo tinha sido um acidente tolo e que não teria problema nenhum. Cadu não deveria preocupar-se com nada, pois a empregada daria um jeito naquilo rapidamente.

Realmente a festa logo voltou ao normal. A lambança causada pelo menino foi desfeita pelas mãos caprichosas de dona Zuleika, a empregada contratada para a festa. O que dona Zuleika não conseguiu fazer foi recuperar o inconsolável Cadu. Ele tinha certeza de que perderá Fabiana quando entornou o refrigerante sobre a aniversariante. Laís era a melhor amiga de Fabiana. Estava desolado quando foram avisar-lhe que seu pai estava na porta. Tinha vindo apanhá-lo. Enquanto saia da festa o olhar de Cadu cruzou o de Fabiana que com ar gentil e sentido disse:

- Acho que não quero namorar você. Ainda sou muito moça, prefiro esperar um pouco mais.

Desculpa esfarrapada, pois no começo do ano namorava o Fábio.

Cadu chegou à sua casa derrotado. Ligou seu radio relógio numa estação romântica e passou boa parte da madrugada beijando as costas das mãos. Precisava ensaiar e treinar muito bem aquela história de beijo de língua, afinal a Carla iria sentar-se ao seu lado durante as aulas de inglês. Ela não escaparia.

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