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Publicado: Sábado, 24 de abril de 2010

O olhar que sabe ver a essência e a beleza

O olhar que sabe ver a essência e a beleza
A atenção é a mais alta forma de generosidade

A criança tem o olhar desnudo. Olhar desnudo é o olhar despido da roupagem inventada pelos homens.  É aquele que vê as coisas do jeito que elas são... E as coisas assim é que dão prazer na gente. Só o olhar desnudo é capaz de enxergar a beleza do dia amanhecendo, do vento soprando ou da chuva caindo. A beleza está na essência e dela, depende o desejo pela vida. 

Para entender melhor esse olhar, basta à lembrança frustrante de voltarmos adultos a lugares frequentados na infância e memorizados como especialmente belos.  A estranha sensação de que o lugar, na verdade, não parece tão belo assim e, muito menos tão especial, nos incomoda... E, em algumas vezes, nos deprime.    

O olhar do pai “sustenta” o olhar do filho. É com base nesse olhar que a criança aprende a se relacionar com o mundo, com as pessoas e com ela mesma. Rubem Alves diz em uma de suas metáforas, que o olhar do professor pode transformar os alunos em sapos ou príncipes.  O olhar da mãe pode ser de bruxa ou de fada; do colega, de herói ou bandido. O nosso olhar pode ser de alegria ou tristeza, de coragem ou desânimo, de ousadia ou timidez, de falta ou de busca.

Cuidar do olhar é escolha pessoal para quem vive sozinho, mas é dever para quem educa. Deepack Chopra, famoso escritor e mentor indiano, diz que “o olhar do adulto deve ensinar à criança que o estado natural de qualquer ser humano é um campo de todas as possibilidades.” E que por isso ela é capaz de crescer feliz, fazendo com prazer as coisas da vida. Fazer com prazer é tarefa fácil para a criança, nem tanto para o adulto.

As civilizações mais antigas respeitam culturalmente os mestres dos olhares. Os velhos ensinam aos jovens que o mundo deve ser visto na sua essência, com beleza e sabedoria. Por isso, acredito que na velhice retomamos o olhar desnudo e, paradoxalmente, defendo a tese de que só a criança e o velho sabem ver a essência. A criança porque ainda não aprendeu a olhar as coisas estereotipadas e o velho, porque já descobriu que esse olhar é cego.  A criança porque quer saber tudo e o velho, não quer saber mais nada. A criança porque quer crescer feliz e o velho, morrer tranqüilo.

É claro que os críticos de plantão dirão que sou romântica e ingênua ao excesso. E que a crua realidade mancha e embaça o olhar de qualquer um. Também eu acredito que a vida dura de milhões de brasileiros e a pobreza extrema de outros tantos, poderia, sim, legitimar o olhar triste, desanimado e terrivelmente desmotivador. No entanto, tenho trabalhado em ricas empresas multinacionais e em pobres municípios, do sertão da Bahia, que denunciam a ilógica dessa ideia.    

O olhar proativo, de busca e de otimismo independe da riqueza material. Ele inclui ouvir e acolher. Quem sabe olhar a essência, sabe entregar-se ao outro com sensibilidade e afetividade. E esse olhar não é tão velado assim. Para possuí-lo basta manter-se atento à vida que nos cerca. Afinal, como afirma Simone Weil, “a atenção é a mais alta forma de generosidade”. E só a generosidade desnuda o olhar da roupagem hipócrita de um mundo viciado nas aparências. 

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