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Publicado: Domingo, 1 de setembro de 2019

O curioso caso do gato

 

PINK ERA O NOME DO GATO siamês da minha mãe. Robusto e de bom tamanho, era dela que exigia, com insistentes miados, o leite matinal e a carne crua e picadinha do almoço. Não era tempo de rações. À postura inquestionável, entremeava um roçar amoroso por suas pernas.

Ao meu pai concedia alguma atenção, quando escalava a sua confortável cadeira pela lateral, alojando-se sobre o seu ombro, já que não lhe era permitido aninhar-se em sua cabeça.

Eu e minha irmã tínhamos menos sucesso: um olhar e, em raras vezes, a sua companhia no sofá da sala.

Chegou pequeno e mimoso – lá das Minas – e rapidamente adquiriu o porte majestoso dos siameses.

Quem ama gatos compreende suas especialidades. No antigo Sião – hoje Tailândia – os gatos são animais que dão sorte. Oferecer um deles para uma casa nova significa votos de um lar estável.

No Egito, siameses eram considerados gatos da realeza e mantidos em templos sagrados. Para o budismo eles representam a espiritualidade. São seres iluminados que transmitem calma e harmonia. É comum dizer que quem não se relaciona bem com o seu inconsciente, nunca se conectará por completo com um gato e jamais entenderá seus mistérios.

Pink era tranquilo e morava em apartamento. Não me lembro de ímpetos de fuga. Já com a idade avançada e graves problemas de coluna, tomava injeções semanais que o ajudavam a manter o tronco erguido e a caminhar.

Os bons resultados duraram pouco, e a vida se tornou um longo arrastar-se pelo carpete da casa. Mudou os hábitos e já não dormia soberbo, no meio do sofá, como um majestoso enfeite.

Enfiou-se na sapateira do meu quarto e eu, todas as noites, o ouvia no escuro se mover com dificuldade por entre os sapatos.

Numa noite o vi sobre a minha cama – esplêndido – ao meu lado e sobre as quatro patas, olhando fixamente para mim. Falei: – Você já vai? E, em seguida, ele desapareceu.

Ao amanhecer corri para o armário e encontrei o seu pequeno e martirizado corpo vazio. Ele havia partido...

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