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Publicado: Segunda-feira, 3 de julho de 2017

O cão e a pequena

Crédito: Imagem ilustrativa O cão e a pequena

Ah, o carinho! Coisa mais gostosa de se ganhar, seja no começo do dia ou no fim de tarde. E eu sempre conseguia muitos beijinhos e abraços daquela pequena. Quanto mais eu olhava para ela, mais me apertava forte contra seu peito. Lá eu estava seguro, protegido contra tudo.

O seu cheirinho era tão doce, tão gostoso quanto o leite que eu tomava escondido na cozinha. E seus olhos grandes eram bem brilhantes, do mesmo azul do céu. Quando eu corria pela grama verdinha, ela vinha atrás de mim. Só que nunca me alcançou. Então depois de correr bastante, eu parava para esperar ela chegar.

É verdade que eu nunca entendi bem as histórias que me contava. Geralmente elas começavam com uma princesa e de repente tinham um homem mau que cantava, uma sereia de botas, um cavalo grande e rosa... eu ficava meio desconfiado, algo estava estranho nisso tudo, mas não ligava muito não. Afinal, só queria mesmo era ficar ali com ela, paradinho no seu colo.

Nós vivíamos em uma fazenda grandona, com um monte de flores para eu morder e terra para revirar. Era o meu paraíso. Eu vivia solto, podia pular, correr e brincar. Ninguém tentava me deter, nem podia, eu sempre fui muito forte e rápido.

Me lembro bem da última vez que fomos lá para fora. Fazia frio e ela usava um casaco por cima de seu vestido favorito, aquele que ainda tinha umas manchinhas de quando decidimos brincar embaixo do pé de amora. O seu sorriso estava ainda mais bonito naquele dia. Nós fomos até a beira do lago e eu a salvei da terrível borboleta colorida que batia asas sem parar. Depois espantei o malvado coelho orelhudo que pulava de um lado para o outro. E até nos escondemos do pato comedor de pedrinhas. Uma grande aventura.

E quando o sol se pôs, a mamãe chamou. Eu fiquei ao lado dela na hora do jantar e também quando ela se deitou. Ainda não sei quando foi que tudo aconteceu, só pode ter sido quando eu fechei os olhos só um pouquinho. Então quando abri, mamãe estava no quarto chacoalhando minha pequena. Mas ela não abriu os olhos, nem levantou. Eu cheguei perto e tentei acordá-la esfregando meu focinho. Talvez ela quisesse um pouco de carinho também. Não deu certo.

Papai chegou gritando e a pegou nos braços. Todos saíram e eu fiquei sozinho ali. Pensei que se tinha alguém que poderia acordá-la era o papai. Logo eles voltariam e ainda daria tempo de aproveitarmos aquele sol da manhã que batia na varanda. Daí fiquei esperando... esperando... esperando...

Eles voltaram, mas minha pequena não. Procurei por toda parte, todos os cantos da casa e do campo. Por dias. E então, entre um café e outro, mamãe passou a mão na minha cabeça e derrubando lágrimas me contou. Agora eu não brinco mais no campo de dia. Vivo esperando a noite chegar para conseguir minha doce estrelinha reencontrar.

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