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Publicado: Segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Bolo de Chocolate

O menino maltrapilho bate a porta da casa da Graça.
- Me dá uma coisa pra comer?
 
Graça, que tinha acabado de fazer um bolo de chocolate, cortou uma farta fatia e deu ao garoto que o engoliu em dois bocados.
- Está muito gostoso!
- Quer mais um pedaço?
- Quero
 
Cortou outro pedaço maior ainda e deu ao menino que prontamente o devorou.
Lembrou-se com uma ponta de remorso quantas vezes fazia um bolo, comia um pedacinho e acabava jogando o resto no lixo. Ela comia pouco. O filho não gostava de bolo e a nora estava sempre de regime. Embrulhou o resto do bolo cuidadosamente, em um papel alumínio e deu a ele dizendo:
- Leve para você comer depois.
- Deus lhe pague!
- Olhe, quando quiser fazer uma boquinha passe por aqui que eu sempre tenho alguma coisa gostosa para você comer.
Aquele menino mexeu com a Graça. Tão carente, tão desprotegido, tão necessitado de amor!
 
Dias depois ele apareceu de novo.
Enquanto ele comia, Graça resolveu fazer-lhe algumas perguntas.
- Como é o seu nome?
- Lupercínio Rodrigues Farias de Almeida Brasil
- Nossa que nome bonito! Grande, imponente, parece nome de rei, mas eu vou chamá-lo de Lupy para facilitar, posso?
 
Com a boca cheia e os olhos brilhando, sacudiu os ombros sem responder. Lupy tornou-se visita freqüente na casa da Graça. Professora e psicóloga experiente ela procurava sutilmente doutrinar o menino. Sabia que não adiantava longos sermões, pois ele tivera desde o berço uma educação muito diferente da ideal e era preciso conquista-lhe a confiança, agradar muito para que pudesse induzi-lo a um bom caminho.
 
Isto é o que Graça se propunha à revelia do filho que a criticava.
- Você fica dando entrada pra esse moleque, de repente ele pode nos roubar ou trazer bandidos para nos assaltar.
 
Mas a Graça estava muito interessada no seu pupilo e não dava ouvidos às ponderações do filho.
- Gostou do bolo, Lupy? É de laranja.
- Gostei, mas gosto mais do de chocolate.
- Que mimado que ele está, brincou, já está até escolhendo os sabores! De agora em diante todos os bolos serão de chocolate. Está bem?
- Que bom!
 
Às vezes Lupy demorava dias e até semanas para aparecer e Graça ficava preocupada: Por onde andaria? Que estaria fazendo?
Quando voltava ela perguntava o que fizera todo aquele tempo e ele respondia evasivo:
- Tive por ai fazendo uns trampo
- Trampo? Que é isso?
 
Ele sacudia os ombros:
- Umas coisas
 
Graça imaginava o que seriam essas “coisas”, preocupava-se, mas não sabia o que podia fazer para ajudar.
 
E o filho protestava:
- Você ainda vai se arrepender de dar confiança pra esse pivete.
- Não fale assim do Lupy. Ele é apenas uma criança carente. Se eu fosse mais moça ia adotá-lo
- E eu a internaria num hospício, retrucava, brincando, o filho.
 
Mas Graça dizia isso só para provocá-lo. Nunca adotaria o Lupy. Ele era como um animalzinho silvestre, livre e solto que não se adaptaria a uma vida pré-moldada. Só queria ajudá-lo a encontrar um bom caminho longe dos vícios e dos crimes, mas não sabia como fazer isso e percebia que não estava conseguindo o seu intento. Até que um dia ele desapareceu de vez. Graça não conseguia esquecê-lo.
 
Durante anos, todos os dias, lia a coluna policial com o coração apertado, esperando a qualquer hora defrontar-se com o seu nome: Lupercínio Rodrigues Farias de Almeida Brasil! Certamente não teria nenhum homônimo, mas, quem garantia que fosse esse mesmo o seu nome? Parecia tão estranho! Não se parecia com ele!
 
Mas um dia encontrou o que tanto temia. Lá estava o nome longo e imponente. Lupy participara de um assalto e fora preso. Lupercínio Rodrigues Farias de Almeida Brasil nasceu e cresceu em uma favela, na mais completa miséria. O pai alcoólatra, a mãe sempre aborrecida, brigando com o marido com as crianças e com os vizinhos, ambiente doméstico insuportável, falta de tudo, de comida, de agasalho, de cuidado de amor.
 
Desde muito cedo começou a vagar pelas ruas, esmolando e roubando. Não freqüentou direito a escola, mal aprendeu a ler e escrever, não teve uma profissão definida nem condições de arranjar um trabalho. O caminho perigoso da marginalidade pareceu-lhe o mais fácil e promissor, a sua única chance de sobrevivência. E agora fora preso e condenado a uma longa pena. Na sua família já tinha havido muitos casos de prisão. Cadeia não era nada fora do comum para ele, mas, só agora sentia na própria pele o que era uma penitenciária e a perspectiva de passar longos anos ali o desesperava.
 
Sem nada para fazer, rodeado de maus elementos com quem não sentia afinidade alguma, passava os dias em silêncio, pensando, pensando... Vinham-lhe a mente, imagens de sua infância desprotegida, o contato com os vícios, a promiscuidade, a devassidão... Suas andanças pelas ruas, desprezado, agredido, humilhado... E, como um raio de sol rompendo as trevas da desesperança, a casa de Dona Graça.
O terraço de fundo, cheio de vasos de samambaia com a mesinha onde ele sen
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