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Publicado: Segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O aniversário do papai

Marina saiu da doceteria levando o bolo de aniversário que acabara de comprar.

Enquanto percorria a pé os poucos quarteirões que a separavam de sua casa pensava no seu pai e em tudo que estava acontecendo com a sua família.

Tinha muita pena do pai e culpava-se por isso.

Pena não é sentimento que uma filha devia nutrir pelo pai, mas era tudo o que sentia pelo seu. Pena!

Ele era agricultor, mas, quando se casou com sua mãe, moça da cidade, foi influenciado por ela a vender o sítio e comprar uma bonita casa na cidade.

A mãe batalhou muito, estudou, conseguiu uma boa profissão e uma invejável colocação enquanto ele alternava subempregos com longos períodos desempregado.

A diferença que sempre houvera entre eles acentuava-se cada vez mais e os dois brigavam muito.

Recentemente ele conseguira uma aposentadoria mínima e, desde então, sem ter o que fazer, começou a beber muito.

A mãe já nem brigava mais com ele, ignorava-o.

E hoje era o dia de seu aniversário!

Na véspera ele tinha pedido a esposa para comprar um bolo para comemorar, mas ela respondeu que bolo de aniversário é coisa de criança, e que ele não merecia nenhuma atenção.

Quando Marina era criança ela dera grandes festas de aniversário que culminaram com A FESTA dos quinze anos.

Depois disso, Marina preferiu comemorar com os amigos em um barzinho da moda, mas a mãe sempre fazia um bolo em casa e lhe dava um presente.
No seu próprio aniversário ela também preparava alguma coisa especial para esperar as amigas que vinham cumprimentá-la;

Mas, o aniversário do Papai nunca tinha sido comemorado.

Engraçado, só agora Marina se dava conta disso.

Quando chegou a casa o pai estava sentado em um banquinho na porta da cozinha, completamente embriagado.
Marina entrou cantando: “Parabéns a você” com a caixa de bolo que foi logo abrindo e colocando sobre a mesa.

O pai olhou-a meio distante, parecendo não entender bem o que estava acontecendo, tentando sorrir.

Quando Marina abraçou-o, teve que esforçar-se para reprimir a repulsa. Ele cheirava a bebida, suor, poeira.

Mas, continuou tagarelando:

Encomendei uma piza daquela que você gosta. Por que não vai tomar um banho, colocar uma roupa limpa; aprontar-se para a sua festa de aniversário?

Sem responder ele levantou-se cambaleando e dirigiu-se ao banheiro.

Quando saiu, banho tomado, barba feita, roupa limpa, parecia outro homem.

Marina já arrumara a mesa, a piza fumegante, o bolo enfeitado e a jarra de suco de uvas.

Enquanto comiam, conversaram.

Marina falou de seu trabalho, seus estudos, seus lazeres.

O pai mais ouviu do que falou:

- Eu não tenho nada interessante para contar, minha vida é muito vazia;

- Você precisa arranjar alguma coisa para se ocupar. Talvez um trabalho voluntário...

- Mas a única coisa que sei fazer é lidar com a terra...

- Pois então, vamos comprar um lote de terreno e você pode fazer uma horta, plantar verduras, legumes, frutas, flores...

Os olhos de Bernardo brilharam:

Seria maravilhoso!

- Só que para isso (ia tocar no ponto nevrálgico!) você tem que parar de beber. Você não gostaria de procurar uma ajuda especializada?

- Mas, eu não sou dependente. Posso deixar a bebida quando quiser.

Marina ia questionar, mas nesse instante a mãe chegou.

Vinha de um evento beneficente e quando Marina convidou-a a sentar-se com eles disse simplesmente:

- Nem pensar. Estou exausta. Vou para a cama!

O pai também disse:

- Já é tarde. Também vou dormir.

- Mas, pense no que conversamos

- Claro que sim. Boa noite!

- Boa noite, Papai!

Enquanto lavava a louça, Marina pensava na sua conversa com o pai. Ia procurar um lote baldio para comprar a ajudar o pai a fazer a sua horta.

Sabia que não seria fácil, ninguém se transforma da noite para o dia, mas, quem sabe?

Ele teria, por certo, recaído, mas se estivesse mesmo disposto a deixar o vício, ia conseguir.

E, o mais importante de tudo foi que Marina descobriu que o seu sentimento pelo pai não era de “pena”...

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