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Publicado: Sábado, 11 de maio de 2013

O abandono

Crédito: Ilustração/Internet O abandono

O cão estava sentado no canto de uma parede fria enquanto uma verdadeira sinfonia parecia se apresentar nas calhas de uma das casas. Chovia muito e as gotinhas agora esfriavam seu focinho que, há cinco minutos atrás era aquecido por um pano que o cobria. Sem conseguir ver nada, ele ainda achava que estava indo passear com sua família. Mas, assim que seus olhinhos puderam ver novamente o caminho, nem teve tempo de dizer adeus. Foi deixado ali, sozinho.

O carro partiu e ele apenas ficou olhando. A ação foi tão rápida que o pobrezinho nem sequer ensaiou uma corrida. Ainda bem, pois quando cansassem suas perninhas e o alvo sumisse na branca neblina, ele já poderia estar na mira de outro veículo e acabar sendo atropelado.

Sem conhecer nada sobre a rotina dos cães de rua, assustado pela situação, ele decidiu ficar por ali mesmo, afinal, eles poderiam voltar para buscá-lo.

As horas passaram, seus olhinhos foram ficando pesados e o cansaço finalmente o venceu. Já pela manhã, passos na calçada o acordaram. As pessoas já voltavam a caminhar pelas ruas e o temporal havia passado. Em seu estômago então iniciaram umas ‘beliscadas’ e sua garganta seca o incomodou. Talvez aquela linda menininha na esquina lhe dê um pedaço daquele bolo de chocolate. Ele adora o bolo de chocolate da Dona Zelda. Devagar ele caminhou até a garotinha, parou, sentou, começou a abanar o rabinho e mostrou a língua numa tentativa de comunicação. Imediatamente a mãe a puxou para longe do animal. Sem entender o motivo da rejeição, o cão decidiu voltar ao seu cantinho. Estaria ele com os pelos muito desarrumados por causa da chuva?

Ele ainda estava com fome e sede quando a Senhora Maria, a proprietária daquela casa finalmente chegou. Ao sair do carro para abrir o portão ela se deparou com o olhar triste do pet. No mesmo momento se virou ao marido ainda no veículo. Um único olhar e ela entendeu o desprezo dele. Sem sucesso, ela terminou a tarefa e o silêncio voltou. Alguns minutos e uma tigela com água fresca mais um prato com arroz e carne moída , que havia sobrado do almoço daquele dia, surgiram em frente do cão. Em instantes ele secou o pote e lambeu até o último grão da comida. Como uma forma de agradecer, ele esfregou seu focinho nos cabelos de Maria, mas a troca de carinho durou até o primeiro choro do bebê, quando a senhora fechou o portão e seus pés desapareceram pelo corredor.

Agora mais forte, o animal começou a observar a rotina da rua. Andou até a beira da calçada e se assustou com o barulho dos carros, dando um pulo para trás. Achou entre algumas pernas uma bolinha de borracha e se apressou em correr até ela. Quase foi pisado por uma velhinha, esbarrou na bota de uma bela jovem, ficou cara a cara com uma enorme bolsa e teve de desviar. Quando finalmente alcançou o brinquedo o agarrou com a boca, levando-o até o canto da porta da floricultura. Mordeu a borracha entretido por algum tempo, relembrando os momentos com a pequena Bia. Ela gostava de vê-lo babar na bolinha.

Quando cansou, se deu conta de que não sabia mais voltar ao lugar onde foi deixado e se desesperou. Olhou de um lado, do outro, mas só viu muitas pessoas andando. Pensou onde elas poderiam estar indo, e decidiu seguir uma delas. Andou por muito tempo, muito mesmo e parou quando o estômago roncou. Revirou alguns lixos, até que em um beco se deparou com dois outros cachorros. Apressado ele se aproximou e pediu ajuda. Após alguns latidos finalmente compreendeu que agora, sua única amiga seria a esperança. Esperança de um dia encontrar um bom coração que queira adotar um cão, agora de rua. 

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