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Publicado: Terça-feira, 10 de maio de 2016

Ninguém nasce mulher:torna-se (Simone de Beauvoir)

Crédito: Domínio Público Ninguém nasce mulher:torna-se (Simone de Beauvoir)

A MAL COMPREENDIDA FRASE ACIMA vem do último volume de “O Segundo Sexo” - nomeado “A experiência vivida” - de Simone de Beauvoir.

Segundo ela, “Nenhum destino biológico, psíquico ou econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade. É o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino”.

Na obra, Beauvoir estuda a hierarquia social do gênero masculino sobre o feminino. Afirma que “A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele: ela não é considerada um ser autônomo”, o que também ocorre com relação a outras categorias, como identidade, raça, classe e religião.

Considerada "fora dos moldes convencionais", a escritora, filósofa e feminista Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir nasceu em Paris, em 1908 – no mesmo século que promoveu rápidas transformações no mundo.

A Revolução Russa, em 1917, concedeu o direito de voto às mulheres. Em 50 anos mais de cem países incorporaram a prática.

A crescente industrialização e o aumento da miséria levaram as mulheres a se empregarem como assalariadas, passando a contribuir para o sustento de suas famílias. Já não era mais possível tratá-las apenas como donas de casa, parideiras ou objetos de prazer.

As péssimas condições do trabalho feminino geraram reivindicações que coincidiram com as da classe operária em geral, estreitando os laços entre o nascente movimento feminista e os movimentos de esquerda.

A luta das mulheres pela igualdade de direitos e oportunidades esteve presente ao longo de mais de duzentos anos. Começou durante a Revolução Francesa, em 1789, quando as forças políticas e sociais desencadeadas as encorajaram a denunciar a sujeição em que viviam.

Enquanto os revolucionários proclamavam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Olympe de Gouges – escritora e militante - redigia um projeto de Declaração dos Direitos da Mulher, que não foi acolhido.

Poucos anos depois, uma delegação encabeçada por Etta Palm foi a Assembleia com um projeto de igualdade de gênero (de ambos os sexos), para exigir que as mulheres tivessem acesso ao serviço público e às forças armadas, sem sucesso.

No século XIX, os Estados Unidos e o Reino Unido também contaram com vigorosos movimentos feministas, que ganharam fôlego com a publicação do livro de Mary Wollstonecraft, “Reivindicação dos Direitos das Mulheres”, em que exigia as mesmas oportunidades na educação, trabalho e política que os homens desfrutavam.

Após a Segunda Guerra Mundial, o feminismo ressurgiu com maior vigor, sob a influência de obras como “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir (1949), “A Mística Feminina” (1963), de Betty Friedan e a “A Mulher Eunuco” (1970), de Germaine Greer - considerada como o manifesto mais realista do movimento de libertação feminino.

Já não se tratava de conquistar direitos civis para as mulheres, mas de descrever sua opressão pela cultura masculina, de revelar os mecanismos dessa marginalização e de projetar estratégias para proporcionar uma liberação integral, que incluísse também o corpo e os desejos.

Beauvoir se tornou uma das pensadoras fundamentais para a luta das mulheres em todo o mundo, mesmo relutando em se considerar feminista, o que fez em 1972, depois de observar o ressurgimento do movimento, inclusive no Brasil.

Na ocasião, disse não mais acreditar que uma revolução socialista fosse suficiente para trazer a libertação das mulheres.

Sessenta e sete anos separam a obra dos dias de hoje, e ela continua a incomodar. Irreverente e corajosa, Simone falou, escreveu e viveu como bem entendeu.

Extintas as fogueiras medievais que queimaram livros e corpos, que a sua libertadora obra, bem como as das demais ativistas, continuem a inspirar outras “Simones” a se apropriarem de si mesmas.

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