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Publicado: Quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Natal: o aniversariante solitário

Natal: o aniversariante solitário
É noite de Natal. Enquanto todos festejam o suposto nascimento de Jesus, um homem de seus quarenta e poucos anos, cabelos compridos, grisalhos, em desalinho, refaz cálculos minuciosos à luz de uma vela: calcula somas de muitíssimas parcelas, com a precisão de 55 casas decimais! Não há calculadoras eletrônicas nem mecânicas. Não existem computadores. Apenas lápis e papel. Ao longe, nosso aniversariante houve vozes exaltadas, rumores de saudações, risos, preces ... Natal é uma ocasião de reunião, de contato com a família, com amigos. Nosso personagem não lhes sente a falta. Tampouco festeja o nascimento de Jesus, pois não acredita em sua divindade. Para ele Deus é Um. É uno. Não três pessoas, não uma trindade. Apesar dessa (des)crença, nosso personagem reside e trabalha numa universidade chamada justamente de Trindade (Trinity1, em inglês). De seu próprio aniversário, que coincide com o de Cristo, nem se dá conta.
 
Nosso aniversariante interrompe momentaneamente seus cálculos, lembra-se de que precisa inspecionar o fogo, verificar se sua intensidade está de acordo com as indicações do manuscrito. Foi difícil obter essa cópia do manuscrito das mãos do Sr F., um velho e recluso alquimista. Abandonando o lápis sobre a folha cheia de números, o aniversariante solitário vai até o laboratório que construiu no jardim, adjacente à parede da capela, em Trinity. Põe mais carvão na base do forno. “As duas serpentes2 precisam fermentar bem”, dizia ele.
 
Anos antes, o aniversariante solitário havia simplesmente desvendado uma parte substancial dos mistérios do universo, dos segredos na mente de Deus. “Agora demonstro a composição do Sistema do Mundo”, escreveria ele mais tarde, sem muita modéstia. Havia desvendado não só as regras que regem o movimento de todos os corpos sobre a Terra, mas também as regras que ordenam o movimento da própria Terra e de todos os corpos celestes, i.e., planetas, luas, estrelas, cometas ...! Havia compreendido que a Lua e a maçã que cai estavam sujeitas à mesma influência emanada da Terra. E o movimento desta, era devido a esse mesmo tipo de influência, porém emanada do Sol. Seus movimentos eram casos particulares das mesmas leis: as leis gerais do movimento e a lei da gravitação universal. Além dessas intuições e deduções das leis do movimento, criara as técnicas matemáticas para que essas leis pudessem ser usadas para prever os movimentos, não só de molas, esferas, balas de canhões, foguetes, mas também para prever e explicar os movimentos dos atros no céu e das marés na Terra. Partira das leis empíricas de Kepler e demonstrara que elas decorrem matematicamente de sua própria lei da gravitação universal.
 
Também ansiava compreender os fenômenos luminosos. Seria a luz feita de ondas no éter ou de partículas tão pequenas que nunca as podemos distinguir ? Embora inicialmente apostasse nesta última hipótese, acabou por explicar vários fenômenos luminosos em termos ondulatórios, não empregando, na verdade, o termo “ondas” e sim “vibrações”.
 
Demorou mais de duas décadas para publicar suas descobertas sobre o movimento dos corpos. Não gostava de expor seus pensamentos ao mundo. Quando, enfim, resolveu publicá-los, enquanto redigia os Principia3, tratava também de investigar a natureza mesma da matéria e de suas transformações. O fogo ficava aceso dia e noite no laboratório adjacente à capela. Procurava influenciar essas transformações. Buscava a pedra, a criança, o filho do macrocosmo, a matéria prima de todo o universo, o agente que transmutaria os metais em ouro puro, o ingrediente principal do elixir da vida: a pedra filosofal. Ele "não foi o primeiro da idade da razão. Ele foi o último dos mágicos, o último dos babilônios e sumérios"4.
 
“A natureza e as suas leis jaziam na noite, escondidas. Disse Deus: ‘Faça-se Newton’ e tudo foi luz.”5 E isso aconteceu num dia de Natal. Isaac Newton nasceu6 em 25 de dezembro de 1642. Em janeiro desse mesmo ano morria Galileu Galilei. Os Principia foram publicados pela primeira vez em 1687. Apesar de aperfeiçoamentos na matemática e de deduções de conseqüências adcionais das leis do movimento e da gravitação acrescentadas à ciência da Mecânica ao longo dos séculos, a Mecânica Newtoniana, como é conhecida, reinou absoluta até o advento da Teoria da Relatividade de Albert Einstein e da Mecânica Quântica. E ainda reina, para a maioria dos propósitos práticos na Terra e em suas proximidades, incluindo o envio de vôos (tripulados ou não) à Lua e aos planetas do sistema solar e o movimento da maioria dos satélites artificiais. O quadro7 abaixo resume as regiões em que são utilizadas as principais teorias físicas: 
 
 
 
Velocidades muito menores que a da luz
Velocidades próximas a da luz
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